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quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

POESIA COMO AFIRMAÇÃO ECOLÓGICA DO SUL PROFUNDO, CYRO DE MATTOS

 


Poesia como afirmação ecológica do sul profundo, Cyro de Mattos

Heloísa Prazeres

 

          Uma das vozes contundentes da literatura produzida na região sul baiana, o autor Cyro de Mattos impõe-se na literatura baiana/brasileira pela força de suas narrativas. Possui vasto acervo crítico favorável à sua obra, cuja fatura revela estilo impregnado de registros de fala. Bem assim, a sua poesia situada na Região Cacaueira − reduto que propõe respostas alusivas ao lugar geográfico de onde fala o escritor.

          Teluricamente, seu verso exalta o lócus, o território, e sua leitura (MATTOS, C. 2015) confirma o potencial poético, que em si carrega o escritor. Seu texto oferece mais do que o faria a escrita etnográfica. A paisagem do sul transforma-se miticamente na personificação de uma maneira de ver, vastidão solitária, atravessada por linguagens, que chegam cegamente de um lugar para outro − as línguas naturais faladas pelo homem a partir de seus próprios ofícios criados, e por meio da natureza líquida do rio (PRAZERES, 2015). O sentimento de pertencimento, em relação à terra, às pessoas e à vida mesma, reverbera,


 

Eu te agradeço meu rio

porque me ensinaste

pelas mãos do pescador,

lavadeira e areeiro

foste sempre uma dádiva

que suspensas as tropas

em suas trilhas aladas

se perderiam nas estradas,

pelas águas tão escuras

desceriam roupas brancas

sem que novas correntezas

pudessem remover as manchas

e na voz do aguadeiro

anunciando madrugadas

só de areia pura

o efêmero à margem

ante o eterno que passa

 

(MATTOS, C., 2015, “Ao rio”. p.102).                     

 

 

          Sua visão ideológica e poética encontra-se no controle de ambas as experiências que encarnam a fonte da imagem e o próprio ato poético. A voz impressiona sem efeitos de literatização; a dicção convence o leitor e o vínculo com o lugar revela moldes próprios, não autoritários,


 

Caminha na boca

por me saber cativo,

adoça o furto infantil,

engana no riso,

brilha no peito

jardim florido,

cores em que sonho,

da barba visgo,

roxo aroma

ébrio por dentro,

paixão e ilusão

quanto mais viajo

sinto o fruto em mim

ritmando o mito.

 

(MATTOS, C., 2015, “Elogio”, p.32).                                                       

 


          A experiência comunitária poetizada reside no passado e elegiacamente retorna, como memória cultural da diversidade da região; o presente subjetivo traduz-se pelo pressentimento de solidão e ruína,


 

 Encontro-me no verde de teus anos,

Como sonho menino nos outeiros,

Afoitas minhas mãos de cata-ventos

Desfraldando estandartes nessas ruas.

 

São meus todos esses frutos maduros:

Jaca, cacau, mamão, sapoti, manga.

E esta canção que trago na capanga

É o vento soprando nos quintais.

 

Quem me fez estilingue tão certeiro

Nos verões das caçadas ideais?

Quem nesse chão me plantou com raízes

 

Fundas até que me dispersem ventos

Da saudade e solidão? Ó poema!

Ó recantos! Ó águas do meu rio

 

(MATTOS, C., 2015, “Itabuna”, p.66).                                                    

 

 

          Na recepção de imagens míticas do lugar, comovem o leitor sentimentos ambivalentes de satisfação, luta, respeito e comprometimento com o espaço geográfico, que o enraíza, e com a tradução da ecologia, que a sua ecopoesia exalta. (Este texto integra o comunicado que a autora fez no Congresso dos 75 Anos da UFBA)

 

*Heloísa prazeres é itabunense, doutora em Letras, membro da Academia de Letras da Bahia. Ensaísta, tradutora e poeta.

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