Poesia como afirmação ecológica do sul profundo, Cyro de
Mattos
Heloísa Prazeres
Uma das vozes contundentes da literatura produzida na região
sul baiana, o autor Cyro de Mattos impõe-se na literatura baiana/brasileira
pela força de suas narrativas. Possui vasto acervo crítico favorável à sua
obra, cuja fatura revela estilo impregnado de registros de fala. Bem assim, a
sua poesia situada na Região Cacaueira − reduto que propõe respostas alusivas
ao lugar geográfico de onde fala o escritor.
Teluricamente, seu verso exalta o lócus, o território, e sua leitura (MATTOS, C. 2015) confirma o potencial poético, que em si carrega o escritor. Seu texto oferece mais do que o faria a escrita etnográfica. A paisagem do sul transforma-se miticamente na personificação de uma maneira de ver, vastidão solitária, atravessada por linguagens, que chegam cegamente de um lugar para outro − as línguas naturais faladas pelo homem a partir de seus próprios ofícios criados, e por meio da natureza líquida do rio (PRAZERES, 2015). O sentimento de pertencimento, em relação à terra, às pessoas e à vida mesma, reverbera,
Eu te agradeço meu rio
porque me ensinaste
pelas mãos do pescador,
lavadeira e areeiro
foste sempre uma dádiva
que suspensas as tropas
em suas trilhas aladas
se perderiam nas estradas,
pelas águas tão escuras
desceriam roupas brancas
sem que novas correntezas
pudessem remover as manchas
e na voz do aguadeiro
anunciando madrugadas
só de areia pura
o efêmero à margem
ante o eterno que passa
(MATTOS, C., 2015, “Ao rio”. p.102).
Sua visão ideológica e poética encontra-se no controle de
ambas as experiências que encarnam a fonte da imagem e o próprio ato poético. A
voz impressiona sem efeitos de literatização; a dicção convence o leitor e o
vínculo com o lugar revela moldes próprios, não autoritários,
Caminha na boca
por me saber cativo,
adoça o furto infantil,
engana no riso,
brilha no peito
jardim florido,
cores em que sonho,
da barba visgo,
roxo aroma
ébrio por dentro,
paixão e ilusão
quanto mais viajo
sinto o fruto em mim
ritmando o mito.
(MATTOS, C., 2015, “Elogio”, p.32).
A experiência comunitária poetizada reside no passado e
elegiacamente retorna, como memória cultural da diversidade da região; o
presente subjetivo traduz-se pelo pressentimento de solidão e ruína,
Como sonho menino nos outeiros,
Afoitas minhas mãos de cata-ventos
Desfraldando estandartes nessas ruas.
São meus todos esses frutos maduros:
Jaca, cacau, mamão, sapoti, manga.
E esta canção que trago na capanga
É o vento soprando nos quintais.
Quem me fez estilingue tão certeiro
Nos verões das caçadas ideais?
Quem nesse chão me plantou com raízes
Fundas até que me dispersem ventos
Da saudade e solidão? Ó poema!
Ó recantos! Ó águas do meu rio
(MATTOS, C., 2015, “Itabuna”, p.66).
Na recepção de imagens míticas do lugar, comovem o leitor
sentimentos ambivalentes de satisfação, luta, respeito e comprometimento com o
espaço geográfico, que o enraíza, e com a tradução da ecologia, que a sua
ecopoesia exalta. (Este texto integra o comunicado que a autora fez no
Congresso dos 75 Anos da UFBA)
*Heloísa prazeres é itabunense, doutora em Letras, membro da
Academia de Letras da Bahia. Ensaísta, tradutora e poeta.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário