O Assombro de Itaguaí
E agora prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que
ficou a vila ao saber um dia que os loucos da Casa Verde iam todos ser postos
na rua.
—Todos?
—Todos.
—É impossível; alguns sim, mas todos...
—Todos. Assim o disse
ele no ofício que mandou hoje de manhã à Câmara
De fato o alienista oficiara à Câmara expondo: — 1': que
verificara das estatísticas da vila e da Casa Verde que quatro quintos da
população estavam aposentados naquele estabelecimento; 2° que esta deslocação
de população levara-o a examinar os fundamentos da sua teoria das moléstias
cerebrais, teoria que excluía da razão todos os casos em que o equilíbrio das
faculdades não fosse perfeito e absoluto; 3° que, desse exame e do fato
estatístico, resultara para ele a convicção de que a verdadeira doutrina não
era aquela, mas a oposta, e portanto, que se devia admitir como normal e
exemplar o desequilíbrio das faculdades e como hipóteses patológicas todos os
casos em que aquele equilíbrio fosse ininterrupto; 4D que à vista disso
declarava à Câmara que ia dar liberdade aos reclusos da Casa Verde e agasalhar
nela as pessoas que se achassem nas condições agora expostas; 5° que, tratando
de descobrir a verdade científica, não se pouparia a esforços de toda a
natureza, esperando da Câmara igual dedicação; 6º que restituía à Câmara e aos
particulares a soma do estipêndio recebido para alojamento dos supostos loucos,
descontada a parte efetivamente gasta com a alimentação, roupa, etc.; o que a
Câmara mandaria verificar nos livros e arcas da Casa Verde.
O assombro de Itaguaí foi grande; não foi menor a alegria
dos parentes e amigos dos reclusos. Jantares, danças, luminárias, músicas, tudo
houve para celebrar tão fausto acontecimento. Não descrevo as festas por não
interessarem ao nosso propósito; mas foram esplêndidas, tocantes e prolongadas.
E vão assim as coisas humanas! No meio do regozijo produzido
pelo ofício de Simão Bacamarte, ninguém advertia na frase final do § 4º, uma
frase cheia de experiências futuras.
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Fonte:
MINISTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional
Departamento Nacional do Livro
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Machado de Assis (Joaquim Maria Machado de Assis),
jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, nasceu no Rio
de Janeiro, RJ, em 21 de junho de 1839, e faleceu também no Rio de Janeiro, em
29 de setembro de 1908. É o fundador da cadeira nº. 23 da Academia Brasileira
de Letras.
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