Cyro de Mattos
O Gesto
Requeria
cuidados, durante 24 horas por dia.
Foi
visitá-lo no hospital e ficou muito sensibilizada. Não entendeu nada do que ele
falou. Ele pegou sua mão e deu um beijo. Era como se despedia dela. Agradecia
todos os momentos que habitara com ela, envoltos na alegria e na tristeza.
Voltou para
casa sabe como... Lamentou daí a instante quando soube que ele acabara de
falecer. Em lugar da máscara, a pele enrugada cobrindo o rosto ossudo,
levava uma expressão serena, assinalada pelo gesto que fez quando lhe beijou a
mão. Deixava assim para ela uma saudade formada de afeição e entendimento nos
momentos que viveram juntos.
Durante
sessenta anos de casados. O tempo havia ofertado a eles cinco filhos e quinze
netos.
O Espetáculo
De repente o menino se fez homem.
De repente o homem se fez idoso.
De repente o idoso se fez velhinho.
As cortinas fecharam-se.
Não mais que de repente.
Presente
O pai disse que ia lhe dar um grande presente.
Estava fazendo cinco anos no domingo.
- Pai, é esse o mar?
- É
- De quem é, pai?
- É seu.
O mar rugia sem parar. A água molhava seus pés pequenos.
Na poça que se formou ali perto, encheu de água o balde de
plástico.
Ficou cavando com a pá a areia.
O vento soprava nos cabelos.
Aquele marzão era todo seu.
De contente sorriu.
Um sorriso do tamanho do mar.
Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, cronista, ensaísta e
autor de literatura infantojuvenil. Membro efetivo da Academia de Letras da
Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC (Bahia).
Possui prêmios importantes. Publicado no exterior.
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