Cyro de Mattos
Agora andam dizendo que ela deu para aparecer
em cidades distantes, na mesma hora como se fosse mais de uma. O padre fechou a cara, franziu a testa. Ficou
com os olhos de raiva no domingo quando soube que o povo está acreditando nas
aparições da preta velha. Foi a beata mais velha quem levou ao padre o que o
povo tanto comenta.
O mecânico afirma que a viu na plataforma da estação,
vendendo mingau cedo quando o trem partiu. Horas depois, ao saltar do trem na
estação da cidade de Água Preta, perdeu a fala. Lá estava ela, atendendo os
fregueses. Toda bonita com pano da Costa, bata de renda, figa de Guiné,
pulseira de prata. Ainda sorriu para ele, como se a sua aparição ali fosse a
coisa mais natural deste mundo.
O
funcionário do correio ficou nervoso, quase que desmaiou ali mesmo na
plataforma da estação, não querendo acreditar no que aconteceu com ele quando
viajou naquele domingo para Itapira. Ia visitar um filho, que há dois anos não
via, desde que casou e foi transferido do emprego no banco. Despediu-se dela na
plataforma e, apressado, entrou no trem que acabava de dar três apitos fortes,
anunciando que já ia partir. Da janela deu adeus e, em tom de brincadeira,
pediu que ela guardasse o seu copo de mingau para quando voltasse. Quando
chegou à Itapira, a primeira pessoa que viu na plataforma foi Vovó Maria Conga,
que lhe estendeu a mão oferecendo o seu copo de mingau ainda quente.
Nos últimos dias, professores e alunos estão
comentando muito no colégio sobre as aparições de Vovó Maria Conga. Aqui e lá
longe, sem viajar, no mesmo dia, ela aparece como se fosse mesmo encantada. O
padre na missa do domingo passado cuspiu cobras e lagartos. No sermão citou
trechos da Bíblia que falam dos infiéis ao Cristo, o único que andou em cima
das águas, multiplicou os pães e os peixes. Ameaçou de excomungar os que se
deixam enganar por todo tipo de crendice e boataria inconcebível.
À pergunta ao diretor do colégio, se
ele acreditava nessas aparições da preta velha, que andavam de boca em boca
pelos cantos da cidade, respondeu o que achava sobre o assunto: não digo que
sim, nem digo que não, ressaltando que nessas coisas esquisitas de preta velha
nunca gostei de me intrometer.
De minha
parte, ao escrever o breve relatório dessas aparições, apenas adianto que
sempre achei que Vovó Maria Conga é uma pessoa que conhece o segredo dos
caminhos e o mistério das falas, coisas vindas do seu povo, que habitava as
terras longes de África. De fato, ela é uma criatura que faz a gente pensar com
suas estranhezas. E admirar por sua sabedoria, velha beleza tão dela.
Cyro de Mattos - Escritor e poeta. Membro Titular da
Academia de Letras da Bahia e do Pen Clube do Brasil. Primeiro Doutor Honoris
Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz.
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