Odilon Pinto: historinhas e mundinhos
Cyro de Mattos
Em Coisas da
Vida* (2004), Odilon Pinto reúne ficções escritas em apenas uma página,
fantasias que dão prazer na leitura. No conteúdo da vida como ela é, cada uma
delas segue arrastando o leitor com engenho e leveza, surpreende-o no
desengano, no amor abortado, na ardência da paixão, no drama recheado de
hipocrisia e ciúme. A vida apresentada
na narrativa veloz vem quase sempre acompanhada de observações certeiras.
Em “A Doida”,
que “se apegava à rua, era o caminho que devia percorrer...”, em “Paixão
Recolhida” quando “durante dois anos fora senhor dos seus beijos, do calor do
seu corpo, do cheiro dos seus cabelos. Isso tudo, quando se perde, cresce, até
ficar do tamanho do mundo”, fica patente que as observações são realizadas com
dizeres apropriados do coloquial. O autor pontilha uma sintaxe verbal
impregnada de sutilezas, mínimas referências instigantes. Em Coisas da Vida
encontramos, de página em página, a
atuação humana na rotina chata da vida, às vezes de amores abortados, em
outra hora com a faca que a traiçoeira invenção do gesto suspende e se completa
no desfecho inusitado.
Em “Dick”, o
cão retira do dono a sensação asfixiante de estar vivo, mas em “Sem terra” o
drama completa-se com o seu instante duro de sofrimento na solidão. No exemplo de “A família”, a farsa vai
tomando forma nas observações feitas pela personagem, uma mulher velha, sobre a
palhaçada armada para ela na igreja como ritual de amor dos filhos. Ficam também em nossa lembrança as cenas de
que a ocasião faz o ladrão e o acaso torna em vingança. O duelo entre o real e a ilusão na doméstica
sonhadora, com o sonho vencido pela dura lei da vida.
Com estofo de
crônica, anedota esticada, texto motivado por noções de filosofia, fantasia do
real fundido com o desastre conjugal, poesia da vida carregada de
inconformismo, tristeza e revanche, é visível nesses quadros pintados com
rápidas pinceladas por mão segura o quanto é rica a humanidade na sua pobreza
social, no pequeno mundo rotineiro da vida. Não resta dúvida que desses quadros
compostos por Odilon Pinto brilham momentos diletantes de leitura. O valor
dessas historinhas primorosas força-nos a dizer que nos pequenos frascos é que
estão guardados os melhores perfumes.
*Coisas da Vida, continhos, Odilon Pinto, Editora Via Litterarum,
Ibicaraí, Bahia, 2004.
Cyro de Mattos - escritor e poeta. Primeiro Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Autor premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.
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