E ele
respondeu:
“Vossa
alegria é vossa tristeza desmascarada.
E o mesmo
poço que dá nascimento a vosso riso foi muitas vezes preenchido por vossas
lágrimas.
E como
poderia não ser assim?
Quanto
mais profundamente a tristeza cravar a sua garra em vosso ser, tanto mais
alegria podereis conter.
Não é a
taça que contém vosso vinho a mesma que foi queimada no forno do oleiro?
E não é a
lira que acaricia vossa alma a própria madeira que entalhada a faca?
Quando estiverdes alegres, olhai no
fundo de vosso coração, e achareis que o que vos deu tristeza é aquilo mesmo
que está vos dando alegria.
E quando
estiverdes tristes, olhai novamente no vosso coração e vereis que, na verdade,
estais chorando por aquilo mesmo que constitui vosso deleite.
Alguns
dentre vós dizeis: “A alegria é maior que a tristeza”, e outros dizem: “Não, a
tristeza é maior”.
Porém, eu
vos digo que elas são inseparáveis.
Vêm sempre
juntas; e quando uma está sentada à vossa mesa, lembrai-vos de que a outra
dorme em vossa cama.
Em
verdade, vós estais suspensos como os pratos de uma balança entre vossa
tristeza e vossa alegria.
É somente
quando estais vazios que estais equilibrados.
Quando o
guarda do tesouro vos suspende para pesar seu ouro e sua prata, então deve a
vossa alegria ou a vossa tristeza subir ou descer.”
(O PROFETA)
Gibran Khalil Gibran
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Gibran Khalil Gibran - Poeta libanês, viveu na
França e nos EUA. Também foi um aclamado pintor. Seus textos apresentam a
beleza da alma humana e da Natureza, num estilo belo, místico, conseguindo com
simplicidade explicar os segredos da vida, da alegria, da justiça, do amor, da
verdade.
Essas qualidades bastavam para produzir uma grande obra literária e humana, mas não explicam essa irradiação intensa que emana de O Profeta e que, tanto quanto o valor da obra, provoca o entusiasmo dos leitores.
Essa
irradiação provém da fé do Gibran em sua missão. Gibran não considerava O
Profeta como um simples livro, mas como sua mensagem, com a razão pela qual
fora enviado a este mundo, com a palavra em torno da qual toda a sua vida se
concentrava.
Desde a
juventude, Gibran estava consciente de possuir um poder excepcional que
procurava sua expressão. Em cartas a amigos, encontram-se repetidamente
declarações como estas:
“Sinto que
há nas profundezas do meu coração uma grande força que se quer manifestar, mas
é ainda incapaz de fazê-lo. Meus sentimentos são como as marés de um oceano.
Minha alma é como uma águia de asas partidas. Sofre dolorosamente quando vê os
pássaros voar nos espaços, porque não pode ainda imitá-los.”
Aos 15 anos,
tenta dar forma a essa força impaciente por se exteriorizar, e debuxa uma
primeira versão, em árabe, de O Profeta. De regresso a Boston, lê para sua mãe
trechos do livro que “iria transformar o mundo”. A mãe acalma a exaltação do
filho: “É um bom trabalho, Gibran, mas seu tempo ainda não chegou. Deixa-o
amadurecer.”
Gibran
aceita o conselho, que corresponde, aliás, à sua própria convicção. Mas O
Profeta não o abandona nunca mais. Escreve e publica outros livros, mas deixa O
Profeta amadurecer em sua alma.
Em 1910,
começa a redigi-lo em inglês. E enquanto suas obras árabes já o cobriam de
glória, escreve a seu editor Emile Zeidan:
“Os vinte
anos que vivi como escritor e como pintor foram simplesmente uma época de
preparação e de desejo. Ainda não produzi nada que mereça ficar à face do sol.”
E continua
a polir O Profeta. Reescreve-o cinco vezes em inglês, antes de remetê-lo ao
editor, em 1923. Durante essa gestação de 25 anos, a mensagem se forma no fundo
de seu coração, como uma pérola se forma no fundo do mar.
E quando a
pérola é enfim expelida, ele suspira de alívio: “Enfim, pronunciei-a, a palavra
que carrego desde que nasci e que vim a este mundo para pronunciar”, declara,
jubiloso, a um amigo. Mais tarde, lamentará ter escrito tanto. Confia a May
Ziadé, sua amiga espiritual: “Por que escrevi e publiquei tantos livros? Eu
nasci para viver e escrever um único livro, um pequeno livro. Nasci para viver
e sofrer e pronunciar uma única palavra, vívida e alada.”
E o mais
impressionante é que essa palavra não era considerada por Gibran como uma
mensagem simplesmente teórica, simplesmente intelectual: ele lhe submetia sua
maneira de viver e de ser. Há um incidente particularmente significativo. Uma
vez, Gibran comprou uma casa, em Boston, e a reformou para servir a uma
associação feminina. A associação fracassou, deixando a casa imprópria para
qualquer outra locação. Para recuperar o dinheiro investido, Gibran devia
acionar a associação em juízo. Mas uma das diretoras vai vê-lo e sacode O
Profeta na sua face, dizendo: “Foi o senhor quem escreveu este livro, não foi?
Que pretende fazer dele agora?” apesar da insistência dos amigos, Gibran desistiu
do processo. “Se o tivesse continuado, explicava, não poderia abrir outra vez o
pequeno livro.”
Independentemente de tais incidentes, Gibran viveu na atmosfera de seu
livro, à sombra de suas alturas. Nunca se casou. Nunca se interessou por negócios.
Dedicou toda a sua vida a escrever e pintar. Sua residência foi sempre a mais
simples, a mais modesta, tanto em Paria como em Boston e Nova Iorque; e seu
modo de viver não se alterou quando a venda de seus livros e quadros o tornou
milionário.
E essa fé em si mesmo e em sua missão,
essa transposição da pregação para a própria vida do pregador confere a obra de
Gibran a sedução mística que dotava de força extraordinária, por exemplo, as
palavras de Ghandi. Os homens são particularmente atraídos para os que creem no
que pregam e submetem seus atos ao seu ideal.
APRESENTAÇÃO
Mansour Challita
....
Editora Vozes Ltda.
BRASIL 1974
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