Adonias Filho
Perguntaram-me sobre Itabuna e o
que disse me pareceu justo e certo. Itabuna – disse como numa crônica - é uma
ilha porque rodovias a cercam por todos os lados. Todos os lados, eu disse.
Menos um, que é o lado do Cachoeira, o rio. Lugar que não parou de crescer, no
chão baiano do cacau, desde que Severino do Amor Divino, no começo do século
passado, abriu o arruado no ventre da selva. E, se em vila não tardou a se
tornar, em 1910 já era cidade de tanta fama que servia comércio aos grapiúnas
que venciam as matas a fogo e a machado.
Um burgo de penetração, pois, que
nasceu como centro de entradas. E no qual não faltaram, com a graça de Deus,
índios camacãs e pataxós da valente raça aimoré. Burgo velho que hoje é cidade
grande, de município grande, numa terra grande.
Não muito longe da praia,
precisamente a trinta quilômetros de Ilhéus – onde o Cachoeira, sem barulho e
em paz, desemboca nos mares do Atlântico – em Itabuna ainda se pisa areia e no
ar se guarda um pouco de maresia. Mas, assim tão perto do oceano, seu povo
buscando Olivença que foi vila de fundação indígena bem no começo do século
XVIII, e buscando Olivença para os banhos de mar e pesca, de Itabuna se pode
dizer que, quando não uma cidade do agreste, pelo menos a porta litorânea para
os sertões.
E por isso mesmo, porque caminho
obrigatório dos brabos que chegaram para a conquista da selva e o plantio do
cacau – sergipanos, alemães, sírios, polacos – tem folclore particular e tão
cheio de heróis, e aventuras e guerras que até parece ter vindo do tempo
medieval. Uma região só, naqueles idos. E quando se separou de Ilhéus, virando
capital do município com autonomia de padre e juiz, também a sua saga adquiriu
independência de cultura e geografia. A selvagem saga do cacau, porém, com
muitos daqueles brabos tendo os nomes nas ruas, essa violenta saga parece de
séculos frente à cidade moderna que é Itabuna.
É preciso ver Itabuna hoje, em
plena trepidação, para que se saiba como vive uma cidade em plena expansão
econômica. A base municipal, com reflexo imediato no comércio, concentra o
pequeno mundo rural do interior – outras cidades, os distritos, os arruados e
as fazendas – em torno do que é de fato um enorme centro regional. Tudo o que
se produz tem aí efetivamente o seu mercado.
E o que se produz – coco ou piaçava,
dendê ou mandioca, principalmente acima de tudo o cacau – mas vem da boa terra
o que se produz. E, como é muito o que se produz, parte de tamanha riqueza ao
povo se devolve em educação. A rede escolar de tal modo se expandiu nos dois
graus de ensino que, somada com a de Ilhéus, exigiu mesmo uma Universidade.
Perto, nos limites dos dois municípios, fica essa Universidade, a Universidade
de Santa Cruz.
Tudo isso, pois, é Itabuna.
E, se a primeira impressão é de
muito trabalho, a última percepção é a de que apenas esse trabalho explica a
dimensão da cidade. Uma cidade de tamanha vida, em verdade, que, já
ultrapassando o velho rio Cachoeira e as rodovias que a cercam, vence a ilha. E
a vence, como qualquer um pode observar, para ganhar espaços.
Mas, apesar dos novos espaços
conquistados, canteiros de obras e parques ocupando-os para a indústria e mais
trabalho, Itabuna não permite que a urbanização a derrote contra a natureza. O
cacau, aliás, de tal maneira é uma agricultura permanente ajustada à natureza –
e não depredadora como o café ou o pastoreio desorientado – que a envolve como
um manto protetor. O que há de fato é um exemplo de como a urbanização pode se
expandir sem violentar a melhor vivência rural.
E, porque foi o que disse quando me
perguntaram sobre Itabuna, o que disse me pareceu justo e certo.
(CRÔNICA AVULSA)
Adonias Filho
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FONTE: ITABUNA, CHÃO DE MINHAS RAÍZES - Cyro de Mattos
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