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terça-feira, 28 de julho de 2020

UM BURGO DE PENETRAÇÃO – Adonias Filho


               Um Burgo de Penetração
Adonias Filho

            Perguntaram-me sobre Itabuna e o que disse me pareceu justo e certo. Itabuna – disse como numa crônica - é uma ilha porque rodovias a cercam por todos os lados. Todos os lados, eu disse. Menos um, que é o lado do Cachoeira, o rio. Lugar que não parou de crescer, no chão baiano do cacau, desde que Severino do Amor Divino, no começo do século passado, abriu o arruado no ventre da selva. E, se em vila não tardou a se tornar, em 1910 já era cidade de tanta fama que servia comércio aos grapiúnas que venciam as matas a fogo e a machado.

            Um burgo de penetração, pois, que nasceu como centro de entradas. E no qual não faltaram, com a graça de Deus, índios camacãs e pataxós da valente raça aimoré. Burgo velho que hoje é cidade grande, de município grande, numa terra grande.

            Não muito longe da praia, precisamente a trinta quilômetros de Ilhéus – onde o Cachoeira, sem barulho e em paz, desemboca nos mares do Atlântico – em Itabuna ainda se pisa areia e no ar se guarda um pouco de maresia. Mas, assim tão perto do oceano, seu povo buscando Olivença que foi vila de fundação indígena bem no começo do século XVIII, e buscando Olivença para os banhos de mar e pesca, de Itabuna se pode dizer que, quando não uma cidade do agreste, pelo menos a porta litorânea para os sertões.

            E por isso mesmo, porque caminho obrigatório dos brabos que chegaram para a conquista da selva e o plantio do cacau – sergipanos, alemães, sírios, polacos – tem folclore particular e tão cheio de heróis, e aventuras e guerras que até parece ter vindo do tempo medieval. Uma região só, naqueles idos. E quando se separou de Ilhéus, virando capital do município com autonomia de padre e juiz, também a sua saga adquiriu independência de cultura e geografia. A selvagem saga do cacau, porém, com muitos daqueles brabos tendo os nomes nas ruas, essa violenta saga parece de séculos frente à cidade moderna que é Itabuna.

            É preciso ver Itabuna hoje, em plena trepidação, para que se saiba como vive uma cidade em plena expansão econômica. A base municipal, com reflexo imediato no comércio, concentra o pequeno mundo rural do interior – outras cidades, os distritos, os arruados e as fazendas – em torno do que é de fato um enorme centro regional. Tudo o que se produz tem aí efetivamente o seu mercado.

          E o que se produz – coco ou piaçava, dendê ou mandioca, principalmente acima de tudo o cacau – mas vem da boa terra o que se produz. E, como é muito o que se produz, parte de tamanha riqueza ao povo se devolve em educação. A rede escolar de tal modo se expandiu nos dois graus de ensino que, somada com a de Ilhéus, exigiu mesmo uma Universidade. Perto, nos limites dos dois municípios, fica essa Universidade, a Universidade de Santa Cruz.

            Tudo isso, pois, é Itabuna.

            E, se a primeira impressão é de muito trabalho, a última percepção é a de que apenas esse trabalho explica a dimensão da cidade. Uma cidade de tamanha vida, em verdade, que, já ultrapassando o velho rio Cachoeira e as rodovias que a cercam, vence a ilha. E a vence, como qualquer um pode observar, para ganhar espaços.

            Mas, apesar dos novos espaços conquistados, canteiros de obras e parques ocupando-os para a indústria e mais trabalho, Itabuna não permite que a urbanização a derrote contra a natureza. O cacau, aliás, de tal maneira é uma agricultura permanente ajustada à natureza – e não depredadora como o café ou o pastoreio desorientado – que a envolve como um manto protetor. O que há de fato é um exemplo de como a urbanização pode se expandir sem violentar a melhor vivência rural.

            E, porque foi o que disse quando me perguntaram sobre Itabuna, o que disse me pareceu justo e certo.


   (CRÔNICA AVULSA)
Adonias Filho
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FONTE: ITABUNA, CHÃO DE MINHAS RAÍZES - Cyro de Mattos
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Adonias Filho - Quinto ocupante da Cadeira 21 da ABL, eleito em 14 de janeiro de 1965, na sucessão de Álvaro Moreyra e recebido em 28 de abril de 1965 pelo Acadêmico Jorge Amado. Recebeu a Acadêmica Rachel de Queiroz e os Acadêmicos Otávio de Faria, Joracy Camargo e Mauro Mota.

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