Francisco
Borba Ribeiro Neto | Mar 08, 2020
A pessoa de fé reconhece os perigos, procura precaver-se e
evitá-los, mas não se deixa dominar por eles
Aameaça de uma nova pandemia (epidemia de abrangência
mundial), causada pelo coronavírus Covid-19, vindo da China, tem gerado
apreensão e medo em todos nós. Esse sentimento foi até batizado de “ansiedade
pandêmica”. Existe um aspecto realista nesse medo.
As pandemias decorrem da proliferação de novos agentes
infecciosos, frutos de mutações em microrganismos que existem há milhares de
anos, mas vem ganhando a capacidade de se proliferar rapidamente na população
humana, causando doenças com índices de mortalidade relativamente altos. A
evolução do Covid-19 é incerta, assim como de outros semelhantes, não sabemos como
se comportará no futuro. Pode ser que fique restrito às áreas já atingidas e/ou
que perca a letalidade, se tornando facilmente administrável pelos serviços de
saúde pública. Pode ser que se alastre por todo o mundo, mantendo sua
letalidade.
O vírus ebola, por exemplo, matou, desde 1976, quando foi
identificada, até hoje, mais de 11 mil pessoas, a grande maioria concentrada em
países africanos. Toda pessoa que morre é uma grande perda e esse número não
deixa de ser grande, mas fica pequeno quando comparado com a letalidade da
gripo espanhola, que entre 1918 e 1919 matou cerca de 50 a 100 milhões de
pessoas em todo o globo – enquanto a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e
1918, matou aproximadamente 8 milhões de pessoas. Sob esse ângulo, portanto, os
cuidados das agências de saúde e de toda a população com novos vírus são mais
que justificáveis.
Por outro lado, existe um alarmismo irracional nesse medo. O
sarampo, por exemplo, em 2018, vitimou 142 mil pessoas (mais de 11 mil por mês,
em média), enquanto o Covid-19 matou, nos últimos dois meses, pouco mais de 3
mil pessoas. Então porque as escolas não são fechadas com medo do sarampo, as
bolsas não caem, nem os eventos públicos são cancelados? Em parte, porque as
populações afetadas estão principalmente nos países pobres e em bolsões de
pobreza, mas principalmente porque já conhecemos o sarampo, sabemos como lidar
com ele, não tememos uma explosão pandêmica inesperada, como temos em relação
ao Covid-19. Um temor em parte racional, como vimos acima, mas por outra parte
totalmente irracional.
A confiança contra o pânico
Temer o desconhecido é um instinto necessário à
sobrevivência das espécies, inclusive da nossa. Uma criança temerosa tem muito
menos chance de se acidentar que uma outra arrojada. Mas, por outro lado, um
adulto apavorado tem muito menos chance de fazer escolhas adequadas que um
outro sereno. Por isso, o medo irracional e instintivo deve amadurecer, em
nosso desenvolvimento, para se tornar uma prudência responsável e racional, que
avalia as situações e evita riscos desnecessários.
Aleteia já relembrou, a respeito da atual epidemia de
coronavírus, as exortações do
Papa Francisco para que não sejamos dominados pelo medo, em qualquer situação.
Podemos também relembrar a exclamação de São João Paulo II, no início de seu pontificado: “Não tenhais medo de
acolher Cristo e de aceitar o Seu poder!”. Medo de acolher a Cristo? Mas nosso
medo é das pandemias… Na verdade, para o cristão, todos os medos são uma
consequência de não nos entregarmos totalmente a Cristo. A pessoa de fé
reconhece os perigos, procura precaver-se e evitá-los, mas não se deixa dominar
por eles. Quem vive com medo das coisas tem, no fundo, medo de se entregar a
Cristo, de fazer a experiência de que Ele pode nos salvar, ainda que de forma
impensável para nós.
Por isso, a forma pela qual enfrentamos a ameaça do
Covid-19, ou qualquer outra possível pandemia dos nossos tempos, é um indicador
(não o único, evidentemente) do quanto a nossa fé ultrapassa os limites das
celebrações e dos gestos religiosos, para se tornar realmente um critério de
orientação diante dos desafios da vida. Nessa perspectiva, nossa capacidade de
lidar com situações como essa, da atual crise do coronavírus implica em:
Serenidade diante dos muitos desafios e ameaças da vida, que
– para o cristão – nasce da confiança no amor e na providência divinas, que nos
permite reconhecer os perigos, sem nos deixar definir por eles.
Estar bem informado sobre o que está acontecendo, evitando
fake news e procurando sempre as indicações de especialistas e dos órgãos de
saúde. Esta é a forma de praticar o realismo cristão nesse momento.
Atitudes responsáveis e condizentes com a gravidade da
situação, sem alarmismos, mas também evitando riscos desnecessários.
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