Ferradas
Cyro
de Mattos
Uma das povoações mais antigas da Bahia. Em 1815 recebeu a
visita do príncipe alemão Maximiliano Alexandre Felipe. Recebeu também as
visitas dos naturalistas Spix e Martius. Teve no início da civilização
cacaueira baiana nome aristocrático: Vila de Dom Pedro de Alcântara.
Reconhecida como bairro mãe de Itabuna, sua história está
ligada à catequese dos índios, sobressaindo-se a figura do capuchinho Frei
Ludovico de Livorno, que era tido pelos desbravadores e conquistadores da terra
como alguém que possuía poderes sobrenaturais. Antes de exercer missão
evangelizadora entre os índios, Frei Ludovico de Livorno serviu como capelão no
exército de Napoleão.
Em Ferradas, na fazenda Auricídia, nasceu Jorge Amado, o
escritor mais popular do Brasil, o mais traduzido no mundo. É também berço do
poeta Telmo Padilha. Na época do desbravamento, havia em Ferradas um comércio
ativo, com armazéns de portas largas e tropas de burro que chegavam carregadas
de cacau. A luta pela posse da terra, que acenava com as suas léguas férteis,
fez do povoado cenário de crimes praticados por jagunços. Jorge Amado mostra no
romance “Terras do Sem Fim” essa paisagem violenta de Ferradas, um dos domínios
do coronel Horácio.
Naqueles idos, o povoado era uma rua comprida e sem
calçamento. Ali tropeiros e viajantes ferravam os animais, burros e mulas, que
enfrentavam estradas estreitas e perigosas, veredas pedregosas no verão,
lamacentas no inverno. Dirigiam-se em suas marchas incansáveis para a Vila de
Vitória da Conquista, no alto sertão. Surgiu depois do povoado o bairro de
Ferradinhas. Muito depois. Há pouco menos de trinta anos surgiu outro bairro, o
de Nova Ferradas, com casas populares em ruas mal traçadas e sem calçamento.
Anoto em Ferradas a paisagem monótona. Tudo é natural.
Mulher janeleira como uva na parreira. Gente velha sentada na cadeira, no
passeio da casa. O céu de almofadas. Casas que cochicham e espiam as ruas
sonolentas. O silêncio gordo em tudo. A abelha nas flores do jardim pequeno da
única praça. O ar verde das árvores nos quintais frutíferos. Passarinhos em
alarido bicam a manhã luminosa. Vento morno da manhã aquece os passos do homem
barbudo que entra no açougue. Longe das avenidas, ruas que não têm fim,
viadutos e túneis, carros velozes que cantam no asfalto, meus passos
compartilham com essa proposta de vida em andamento vagaroso.
Acho agradável o menino a brincar com os pombos no passeio
da igrejinha. Todos os dias, vejo o burro que está pastando agora na praça.
Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Também editado no
exterior. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Membro efetivo da
Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris
Causa da UESC.
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