21 de março de 2020
Péricles Capanema
Tornou-se parada obrigatória o novo coronavírus. Não é para
menos, basta atentar para o que os infectologistas estão advertindo. Não será
diferente comigo, ponho o pé na estrada fazendo eco a declarações. Nos últimos
dias duas me chamaram especialmente a atenção pelo que apresentam de auspicioso
e relevante. Logo chegarei à decepção, objeto do artigo.
Sobre a disseminação do vírus, assisti na internet análise
circunstanciada do Prof. Roberto de Mattei, que soube unir em uma só palestra a
erudição segura, a profundeza da análise e o sensus fidei (o senso da
fé).
Título da postagem de Mattei: “Nuevo escenario mundial”.
Circunspecto (aquele que olha em torno de si, considera toda a realidade),
discorreu como scholar e líder católico. Em suma, não escondeu o perigo,
mas o observou com olhar sobrenatural; poucos o têm, faz falta enorme.
Nossa Senhora de Chiquinquirá, Padroeira e Rainha da
Colômbia
Falei em líder. Palavras singelas vieram de outro dirigente,
Ivan Duque, presidente da Colômbia — potência emergente, 50 milhões de
habitantes, mais de um milhão de quilômetros quadrados. Ali, de igual modo, transpareci
a fé: “Tenho em meu escritório o quadro de Nossa Senhora de Chiquinquirá
[foto ao lado], padroeira da Colômbia. Esta manhã me levantei pedindo à
padroeira da Colômbia que nos consagre como sociedade, que consagre nossa
família, nossos filhos. Que me consagre, tenho responsabilidades. A padroeira
da Colômbia nunca nos abandonou. Sei, palavras as sim não são comuns em minha
posição”.
Pelo que consta, nenhum chefe de Estado até agora usou
palavras assim. No mínimo, o primeiro mandatário colombiano considera que, no
fundo, pedir orações, exame de consciência, penitência, espírito sobrenatural
ajudará o povo a trilhar o rumo certo.
Em tal caminhada, opinião generalizada, teremos pela frente
meses de incerteza e sofrimento. Noto aqui, pois nada disso percebi nas
análises. A provação criará condições melhores para orações, exames de
consciência, elevação de vistas, emenda de vida. Ad augusta per
angusta (às coisas excelentes, pelos caminhos mais estreitos). Em tal
caso, o sofrimento terá sido, tudo pesado, uma bênção. Lembrará a Nínive do
profeta Jonas. De outro lado, como evitar ter em vista os anos loucos, les
années folles da década de 1920, em que os pavorosos sofrimentos da
Primeira Guerra Mundial trouxeram, como desabafo e ricochete, explosões de desregramentos?
O mundo civilizado em boa medida desperdiçou oportunidade extraordinária de
regeneração, para muitos dele terá acontecido o pior, o naufrágio.
Passo agora ao tema do cabeçalho. Por que decepção? Decepção
com o quê? Promessa, e promessa é dívida; a mais acho importante levantar a
matéria. De maneira crescente amigos me têm feito comentários exasperados sobre
a qualidade pessoal dos políticos que nos governam, esperavam muito mais —
decepção enorme. A respeito de alguns, pairavam esperanças. As deblaterações
não são de agora, já borbotavam antes do estouro do coronavírus, que só agravou
o quadro. Prometi algumas linhas a respeito e só vou tratar agora de um
aspecto, em geral silenciado. Em artigo futuro, cuidarei de outros aspectos.
Era justificável a esperança? Foi surpresa a decepção? Sob
certo ângulo, entro por assunto antigo, já no Império se criticava a classe política.
Com palavras talvez um pouquinho diferentes, Ulysses Guimarães comentou décadas
atrás a respeito: “Está achando ruim essa composição do Congresso? Então
espera a próxima: será pior. E pior, e pior.”
Por quê? Culpa só dos políticos? Ou culpa sobretudo do
eleitor que é quem os despacha para Brasília? A grossa maioria da população
brasileira hoje já não sabe que deputado federal sufragou em 2018. Votou pouco
informada, desatenta, desinteressada em candidatos que de fato não conhecia. À
vera, nem interesse tinha de conhecê-los. Depois, uma minoria vociferante
reclama, repercutindo sentimento geral.
A representatividade política no Brasil vem caindo, repito,
já constatava Ulysses Guimarães. Outros ainda. Faz parte de fenômeno mais
amplo, descrito com vivacidade e realismo contundente por Nelson Rodrigues, que
em parte colocava sua origem na falta do hábito de observar e raciocinar.
Recolho dele observações de quente atualidade: “Somos mais idiotas do que
nunca. Ninguém tem vida própria, ninguém constrói um mínimo de solidão. Pensam
por nós, sentem por nós, gesticulam por nós. No vasto passado humano, o idiota
como tal se comportava. Os personagens da História e da Lenda eram os melhores.
Em nosso Brasil, o que havia era o ‘o grande ministro’, ‘o grande deputado’, ‘o
grande jornalista’, ‘o grande tribuno’. Os idiotas não exalavam um suspiro.
Antigamente, o silêncio era dos imbecis. E, de repente, tudo muda. Hoje, são os
melhores que emudecem. Quem não percebeu a invasão dos idiotas não entenderá
jamais o Brasil de nossos dias. Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas;
hoje, os idiotas pensam pelos melhores. O grande acontecimento do século foi a
ascensão espantosa e fulminante do idiota”.
Detive-me nas palavras do dramaturgo recifense por um
motivo: padecemos, décadas afora, o achatamento generalizado das
personalidades, mesmo as mais relevantes, fenômeno moral, psicológico e social,
mas com reflexos daninhos na política, na economia, na vida econômica. É
fenômeno algum tanto notado e pouco estudado. Atinge sobretudo os interiores
das personalidades. Nunca diminuirá a decepção que hoje se espraia Brasil
afora, se não for mudado nosso interior. E então, em consequência de seiva
nova, surgirá naturalmente o reconhecimento, a relevância e a premiação do que
melhor existir na moral, na cultura, na inteligência. E na política. Concluo. O
sofrimento que de momento assoma no horizonte e nos atemoriza, se bem aceito,
ajudar-nos-á a retificar disposições interiores tortas, os grandes obstáculos
ao progresso autêntico do Brasil.
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