Cyro de Mattos
Diante de mim, nesse instante, a paixão de Adalício Nogueira
pelo Direito Romano. A exposição exemplar que Nelson Sampaio fazia sobre a
desumanização da Política ao longo dos séculos. A visão ampla e moderna de
Machado Neto em torno da consideração do Direito concebido como norma de
Kelsen, o jurista austríaco. A graça do professor Machadinho, o
tetracatedrático, baixinho e gordo. Dizia em voz sonante, antes de iniciar a
aula, que os alunos ficassem mais que atentos, com os seus ensinamentos as
paredes iriam tremer.
Lembro a eloquência de Josafá Marinho em suas lições de
Direito Constitucional, a maneira encantatória das aulas de Direito Penal, ministradas
por Aloysio de Carvalho Filho, substituído depois pela veemência de Raul
Chaves. A eficiência de Elson Gottschalk para demonstrar o lado pragmático do
Direito do Trabalho. O jeito elegante, a dicção objetiva, o poder de síntese e
densidade com que o mestre Orlando Gomes transmitia, sem esforço, as aulas
admiráveis de Direito Civil.
Com esse e outros mestres, a razão do moço que veio do
interior logo tomou conhecimento que o Direito é uma das maiores conquistas do
ser humano neste planeta. Sem essa hora não existe o homem real, mas o regresso
na escala biológica. Não há coexistência, a paz, meta maior de todos nós nesse
tão difícil gesto de viver.
Faculdade de Direito de minha adolescência. Dos jovens de
ontem, residentes na Capital ou vindos do interior, alguns deles bem nascidos.
A minha turma da Faculdade de Direito era também a de Antônio Luís Calmon
Teixeira, o civilista, Marcelo Gomes, o empresário, Adalberto Carvalho, o
cracão de bola, João Berbert, o cientista social, Dylson Dórea, de notável memória,
o jurista, Artur Caria, o juiz, Raul Ferraz, o deputado, Lucy Lopes Moreira, a
desembargadora, Ildásio Tavares, o poeta, João Ubaldo Ribeiro, o romancista, e
Edvaldo Brito, o orador.
No rigor de atitude que comanda, o tempo passa e não perdoa.
Sabe todos os caminhos, a claridade do dia e a escuridão da noite. Deixa-me sem
resposta, se pergunto por essas vozes, risos, expectativas, desafios, emoções
que passam por meus olhos agora como sombra de uma paisagem precária. Por que
tão depressa lá se foram esses gestos na curva da estrada? Ninguém pode me
dizer algo sobre esse instante em que só tenho ouvido para escutar o rumor
daquelas vozes.
Ninguém decifra como dói saber que a recordação de certas
imagens nada mais é do que saudade de certos instantes. E as pessoas, objetos,
bichos, ruas são fugidios. Como os dias, semanas e meses. Infelizmente.
...............
Cyro de Mattos, escritor e poeta. Primeiro Doutor Honoris
Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo da Academia de
Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de Ilhéus e Academia
de Letras de Itabuna. Autor premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.
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