Para os corações conturbados, a receita é:
Pare, saboreie, a vida é boa.
Quando eu
era criança, muitas vezes vi a minha pequenina avó italiana, Geraldine, tomar
um ônibus para a cidade, levando um pote com sopa minestrone quente. Isso
significava que alguém - tio Carmini, tia Antonetti - estava doente. Não
importava se era gripe, problema na vesícula ou mau olhado. Tendo ouvido a
notícia, Nonnie (como chamávamos a Vovó) atava o avental e começava a mexer as
panelas de sopa.
Durante
quase meio século Nonnie foi a Distribuidora Oficial de Sopa para uma vasta
rede napolitana de parentes e amigos em Stamford, Conecticut. Mistura de médico e psicanalista, essa figura é
encontrada em muitas culturas e em geral é do sexo feminino. No meio de uma
crise, suas receitas são básicas e nutritivas: Pare um instante. Saboreie isso.
A vida é boa.
Como as
costas do vestido de estampa floral voltadas para nós, Nonnie conseguia fazer
dos piores tubérculos, dos legumes mais ressecados e das verduras mais amargas infusões espessas capazes de confortar a alma. Eu ficava sentada à mesa da
cozinha enquanto ela despejava seus elixires com a concha e endireitava a roupa
antes de comparecer ao acontecimento seguinte - fosse velório, cabeceiras de doente
ou desastre doméstico.
Fui
batizada em homenagem a Nonnie e a adorava. Mas foi só aos 30 e poucos anos, ao
me pegar subindo quatro lances de escada, esbaforida, com um pote de guisado
vegetariano para um solteirão rabugento - de cabelos grisalhos, que acabava de
perder a vesícula - que me dei conta: eu me tornara a distribuidora Oficial de
sopa de minha geração.
Pensando
bem, deveria ter visto que isso aconteceria. Minha mãe, Rose (filha de Nonnie
), por sua vez havia se tornado a distribuidora oficial em nossa vizinhança. Despachava
sopas de ervilha cremosas e fumegantes, frangos à caçadora - até mesmo rolinhos
primavera leves como o lótus -, com a rapidez e eficiência da Cruz Vermelha. Tratou
da depressão pós-parto de uma trêmula jovem irlandesa como macarrão e molho
encorpado, e levou bandejas de peito de frango com cogumelos a um agoráfobo abalado
e trancado em casa.
Para os
que vinham até nós, nossa cozinha era um confessionário cheirando a café. Enquanto
minha mãe cozinhava, eles conversavam ao som do apito da panela de pressão e ao
ritmo da faca: “Ele perdeu o carro no jogo...” Vapt! “Eu estou grávida de novo e CeeCee só tem nove meses... ”Vapt! Vapt! Havia sempre murmúrios de compreensão, absolvições
e biscoitos amanteigados.
Mamãe
chegou ao auge da produção com a instalação de uma engenhoca para selar
embalagens de comida. Os extras do que comíamos - rollatini de berinjela, bife
à suíça, o minestrone (herança de
família) – eram lacrados em sacos plásticos e entregues aos acamados, aos
viúvos recentes e às grávidas em fim de gestação. Agora com mais de 70 anos,
minha mãe ainda produz pilhas de refeições de microondas para a irmã inválida e
o cunhado, bem como pacotes de “almôndegas da Nonnie” congeladas para meus
filhos.
Sem saber
como, assumi o manto de distribuidora quando me mudei para Nova York, nos anos
70, e dirigi um “serviço de sopas” para jovens, inquietos e angustiados em meu
apartamento. Simplesmente aconteceu. Surpreendi-me colocando lugares a mais
para os emocionalmente necessitados: ex-hippies arrasados pela brutalidade do
mercado de trabalho, solteiros no fim das forças e neuróticos urbanos comuns. Se
alguém parecia mal ao telefone, eu dizia logo: “Então venha jantar.”
Nova York
é um lugar de desgarrados e durante anos ofereci um almoço no Dia de Ação de Graças
a todos que não tivessem para onde ir. Remexendo fotografias antigas, encontrei
uma série que mostrava os mesmos rostos sorridentes em volta da mesa em
sucessivas noites de ano-novo. Eu também preparava aniversários e ocasiões sem
nada de especial.
Hoje me
dou conta de que isso é um trabalho missionário. Não é propriamente um
sacerdócio ortodoxo, e eu nunca aspirei à santidade: o impulso da distribuidora
vem de um coração faminto e, a seu modo, é bastante egoísta. Como disse minha
mãe recentemente: “Gosto de ter gente à minha volta.”
Converter
alguém aos confortos e prazeres da mesa é a recompensa terrena da distribuidora.
A mãe de meu marido é amorosa, mas tem uma deficiência culinária que até hoje a
faz anunciar o jantar com um grito que parece alarme de incêndio. Quando o
conheci, o armário em sua cozinha de solteiro continha apenas carne enlatada e
pão de forma branco. Gosto de pensar que, nos dez anos em que estamos juntos,
reabilitei seu paladar, assim como sua perspectiva. Numa noite, ao terminar uma
refeição bastante saborosa, ele declarou: “Sabe, uma boa comida deixa a gente
muito feliz. Com vontade de falar, de estar com as pessoas.” E propôs um plano
para nossa nova casa: “Ceias dominicais em que todos serão bem-vindos.”
Compramos
uma segunda mesa de jantar que se desdobra para acomodar 16 pessoas. E há pouco
tempo descobri um meio de continuar as entregas para meu pessoal da cidade. Preparei
uma panela daquele guisado de legumes e o levei para a casa de minha mãe. Com
uma precisão que eu diria quase ritualística, ela colocou para funcionar a
engenhoca seladora. Nós enchemos, selamos, empilhamos. Meia dúzia de belos
pacotes do guisado foi entregue a freezers desamparados.
Dei
algumas embalagens para minha tia Mary, que com quase 80 anos é a distribuidora
mais maravilhosa em matéria de forno. Ainda entrega bolos de Páscoa italianos,
mas detesta cozinhar para si mesma. “Isso é ótimo, meu bem”, disse ela,
guardando os pacotes de guisado na sacola de compras que sempre a acompanha.
“Mas é bom me dar a receita. Conheço uma pessoa a quem essas proteínas
ajudariam bastante.”
(Reader’s Digest SELEÇÕES – MARÇO 2000)
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