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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

NATAL - Helena Borborema



            O Natal da menina começava uma semana ou mais antes da data marcada no calendário. Uma alegria íntima, cheia de expectativas, tomava conta do seu espírito, dias e dias antes da festa. A data do nascimento de Cristo não era tão comercial como nos dias atuais, embora não faltasse espírito mercantil entre os adultos. Era uma festa na qual predominava um sentimento de espiritualidade. Não havia ainda a força dominante da mídia para induzir somente ao material, eliminando toda a pureza do sentimento da grande festa cristã. Era esta uma festa de fraternidade, isso se evidenciava no costume de se presentear amigos e vizinhos. Nunca faltavam os cartões de Boas Festas, mesmo para os mais distantes, que não podiam ser esquecidos.

            As casas comerciais, lojas, açougues, farmácias, padarias, armazéns, todos tinham por cortesia distribuir bonitos calendários com os fregueses. As farmácias ainda distribuíam com os compradores os almanaques “Cabeça de Leão”, “Capivarol”, “Saúde da Mulher” e “Biotônico Fontoura”. Entre os vizinhos havia a troca de bolos e compotas caseiros, enviados com o maior esmero. Para os mais chegados, ia o queijo de cuia ou uma garrafa de bom vinho. Dos compadres ou clientes das roças, chegavam gordos perus e leitoas. Enfim, todos tinham alguma coisa para dar e receber, num intercâmbio fraternal.

            Na rua do comércio, isto é, no Buri (Sete de Setembro) e na Praça Adami, o Natal era de muita festa ao ar livre, jogos e quermesses.

            Numa dessas festas, na década de trinta, a Praça Adami foi cenário de dois fatos que causaram alegria às crianças: a instalação do primeiro parque de diversões com sua roda gigante - uma sensação na cidade -, e uma máquina de fazer pipocas - uma novidade. As gambiarras aumentavam o ar de festividade. Semanas antes do Natal, as lojas se enchiam de brinquedos. Nos lares, era uma azáfama com os preparativos da limpeza de assoalhos, pintura de paredes, confecção de arranjos e enfeites. Era tempo de engorda dos Perus cevados especialmente para a ceia, do bolo inglês, dos sequilhos. Mas para a menina, a alegria culminava com a elaboração do presépio que o pai fazia para ela e os irmãos. Deixando de lado qualquer compromisso, ele tirava o domingo mais próximo do Natal para armar com os filhos, embora crianças, o esperando presépio. Era uma festa. Todos colaboravam na confecção, com trabalho e ideias, colocando as inúmeros figurinhas conforme o gosto e a imaginação de cada um. Um bonito painel mandado pintar com cenário da cidade de Belém servia de fundo. Grãos de arroz e milho plantados com antecedência, em latinhas, formavam a grama que dava o verde nas planícies bíblicas. Areia fina trazida da praia, e conchinhas contornavam lagos de espelho. Rebanhos de ovelhas de celuloide ou cerâmica eram espalhados sobre montes feitos de papel amassado pintado de roxo-terra e pastagens.  

            Pronto o presépio, achado bonito, tudo no devido lugar,  o Deus-Menino com os pais na manjedoura, os patinhos na Lagoa, os Reis Magos com seus camelos, pastores, rebanhos, tudo enfim, estava instalada a grande alegria do Natal. Agora era só esperar os presentes e aí vinha a expectativa. No dia previsto, os meninos procuravam acordar bem cedo para pegar Papai Noel em flagrante, mas o velhinho nunca foi “pego” como se diz hoje. Entrava na casa para deixar os presentes junto ao presépio, e saía sem nunca ter sido visto pelas crianças. Este era um mistério que fazia um dos encantos do dia de Natal e motivo de muitas cogitações.

            Fazendo parte dos festejos, estava a visita a outros presépios que muitas famílias armavam e toda criança gostava de ver. O da Igreja era bonito, mas um tanto solene para a menina. As figuras sagradas, os Magos e os animais, uns na manjedoura, outros trilhando uma estrada, guiados por uma grande estrela brilhante, eram admirados com todo respeito, em silêncio. Outros presépios eram também visitados, grandes e bonitos como o de dona América Freire, na Rua Duque de Caxias, e o de dona Gabriela, que ocupavam metade da sala, mas o que mais empolgava a menina era o de dona Chiquinha, na rua Paulino Vieira. Este era a grande atração, não só pelo tamanho, mas pela curiosidade que despertava. Além das tradicionais figuras, havia uma estrada de ferro com a locomotiva, um enorme dragão se balançando de uma árvore, aviões pendurados por finos arames, dinossauros, baleias nadando no lago, um exército de soldadinhos de chumbo com metralhadoras, até um arranha-céu se destacava no meio do modesto casario da cidade de Belém. Aquela profusão de figuras fazia a alegria da menina que não se fartava de buscar com os olhos as coisas e seres exóticos do presépio de dona Chiquinha. Esse presépio, para o espírito de uma criança, era tão bonito que nunca foi esquecido.

            Tempos bons os daqueles Natais de Itabuna! O Natal da Missa do Galo , na porta da igreja de São José , na Praça Olinto Leone, à qual todos podiam ir sem medo, alegres, rezando sob a luz das estrelas, na missa campal, despreocupados porque voltariam incólumes para casa; da troca de presentes que todos podiam dar, das festas de rua de que todos participavam e se divertiam em família, das quermesses, das casas cheirando a folhas de pitangueira, dos presépios armados com  tanta pureza de espírito, com tanto amor e singeleza de coração que tudo se tornava possível, até mesmo a capacidade de deixar uma lembrança que foi guardada como uma das mais lindas recordações de uma menina.


(RETALHOS)
Helena Borborema

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Helena Borborema - Nasceu em Itabuna. Professora de Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação Fraternal e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do Município. (A autora)

“Filha do Dr. Lafayette Borborema, o primeiro advogado de Itabuna. É autora de ‘Terras do Sul’, livro em que documento, memória e imaginação se unem num discurso despretensioso para testemunhar o quadro social e humano daqueles idos de Tabocas. Para a professora universitária Margarida Fahel, ‘Terras do Sul’ são estórias simples, plenas de ‘emoção e humanidade, querendo inscrever no tempo a história de uma gente, o caminho de um rio, a esperança de uma professora que crê no homem e na terra’” (Cyro de Mattos)










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