31º Domingo do Tempo Comum - Solenidade de Todos os Santos
Anúncio do Evangelho (Mt 5,1-12a)
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Mateus.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, vendo Jesus as multidões, subiu ao
monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a
ensiná-los:
“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o
Reino dos Céus.
Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados.
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque
serão saciados.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão
misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.
Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão
chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da
justiça, porque deles é o Reino dos Céus.
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem,
e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos
e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.
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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre Roger
Araújo:
Finados: todos vivem n´Aquele
que vive
“...que eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas os
ressuscite no último dia” (Jo 6,39)
Ao celebrar o “Dia dos mortos”, todas as culturas e
religiões, cada uma à sua maneira, intuíram o que não se pode dizer, ou o que
só pode ser dito com muito recato: que a morte é passagem, eclosão, nascimento;
que nela entramos nesse processo definitivo de libertação, de transformação, de
acesso à Plenitude da Vida, à Comunhão dos santos, à Santidade de Deus...
Este dia, em que fazemos “memória daqueles(as) que já vivem
a Páscoa definitiva”, é uma ocasião privilegiada para considerar a morte como
evento humano e cristão; sabemos do seu aspecto doloroso, mas, a experiência
cristã insiste que ela deve ser entendida também como um gesto de generosidade:
“morrer é deixar um lugar para os outros”.
Participando da morte de Jesus, podemos também fazer de
nossa morte um ato de decisão, de entrega, de oblação. A certeza de nossa fé em
Cristo, morto e ressuscitado, nos ajuda a tirar do coração os medos, os
impulsos egoístas de busca de segurança, a ilusão de sermos imortais, e
encontrar uma paz profunda que nos permita fazer de nossa vida uma oferenda
gratuita para a vida de outros.
O Evangelho nos ajuda a descobrir que o cuidado doentio da
própria vida atenta contra a qualidade humana e cristã dessa mesma vida. Aqui
descobrimos outra lei profunda da realidade: alcança-se a maturidade da vida à
medida em que ela é entregue para dar vida a outros.
O ser humano não deve admitir sua morte como uma derrota
humilhante, mas, do mesmo modo que pode dar direção à sua própria vida, deve
também incluir o ato de morrer, o último ato de sua vida, o ápice de sua
existência temporal.
A morte somente pode ter um sentido e significação se a vida
também os tiver; quando alguém sabe “para quê e para quem vive”, realizando sua
original missão, pode morrer em paz. Aqueles que vivem intensamente
enfrentam com grande serenidade seu envelhecimento e a proximidade da morte,
vendo nela mais uma etapa no processo normal de seu amadurecimento e de sua
realização.
Conscientes de ter vivido por alguma causa, de ter levado
uma vida plena, podem dar sentido e significado espontâneos ao último ato de
sua existência, a morte. É o modo como alguém vive que qualifica a morte. Há
mortes que, para além da inevitável dor que causam aos familiares e amigos,
provocam paz, agradecimento, vontade de viver seriamente, despertam impulsos
para se levantar e sair da superficialidade e da mediocridade.
Sabemos que toda expressão de vida flui para a morte. No
entanto, porque sabemos que somos mortais e dotados de liberdade, nós, seres
humanos, nos interrogamos sobre o sentido da vida; somos capazes de vivê-la
como um projeto, fruto de nossa decisão e podemos transformar a morte no último
e supremo ato de nosso viver.
A consciência de que se morre por alguma grande e nobre
causa despoja a morte de seu caráter de catástrofe absurda, não somente aos
olhos de quem vai morrer, mas também aos olhos dos que o amam.
A morte se transforma em “fator de criação de vida”, em “boa
notícia” para aqueles que se atreveram a viver como Jesus viveu. Viveram para
dar vida e morreram para defendê-la. Viveram a vida como entrega e sua morte
foi uma consequência lógica de seu modo de vida. Levaram a existência até os
limites de suas possibilidades e fizeram dela uma semente permanente de vida. A
lembrança da vida e da morte dessas pessoas continua semeando vontade de viver
com autenticidade. Elas derrotaram a morte.
De fato, o modo de viver de Jesus recebe o sim definitivo de
Deus e nos mostra que a vida entregue para dar vida é o caminho para derrotar a
morte e continuar vivendo. No acontecimento infinitamente doloroso da morte de
Jesus se revela e se promete o sentido último do viver e do morrer humano.
“Jesus morreu de tanto viver”.
Fazer “memória” desta morte é abrir-nos para a vida, não
somente para aquela vida plena do mundo futuro, mas também à mais profunda
qualidade desta vida presente: bondade e esperança lúcidas, solidariedade alegre,
compaixão ousada, liberdade arriscada, proximidade santificadora...
Como seguidores(as) de Jesus, não nos limitamos a assistir
passivamente o fato da morte. Confiando n’Aquele que é Fonte de Vida,
acompanhamos nossos entes queridos com amor e com nossa oração, nesse
misterioso encontro com Deus. Na liturgia cristã pelos mortos não há desolação,
rebelião ou desesperança. Em seu centro, só uma oração de confiança: “Em vossas
mãos, Pai de bondade, confiamos a vida do nosso ser querido”.
E afirmar a ressurreição não é consolo ilusório, nem evasão
do compromisso com a história e com a vida. É decisão firme de continuar o
projeto de Jesus, de defender a vida onde quer que esteja ameaçada, de
arriscar-se pelos mais fracos e excluídos para que tenham vida, curando
feridas, levantando corações, semeando esperanças, tirando da Cruz aqueles que
nela estão dependurados...
A ressurreição nos faz experimentar que esta vida peregrina
se revela como tempo da gestação concedido a cada um de nós para que, dentro
desse imenso ventre cósmico, quer na vida ou quer na morte, nos sintamos sempre
envolvidos pelo Amor criativo d’Aquele que é sempre Vida. Nesse sentido,
“ninguém morre”, pois todos “vivem n’Aquele que vive”.
Portanto, “re-cordar” (visitar de novo com o coração) os
entes queridos que já fizeram a “grande travessia”, nos capacita a uma nova
visão da morte e a assumi-la como acontecimento que faz parte de nossa vida.
Afinal, todos morrem, mas nem todos sabem viver.
- A primeira consequência positiva do “fazer memória” é que
a morte nos faz viver agradecidos: quando tomamos consciência da morte, nós nos
damos conta de que a vida é um verdadeiro milagre, que cada instante aqui deve
ser vivido como um presente e devemos saboreá-lo o máximo possível, porque não
sabemos quando se acabará.
- A segunda, é que a morte põe as coisas em seu devido
lugar: a morte desloca, sim, mas também realoca, porque nos faz tomar
consciência daquilo que é o mais importante em nossa vida e o que de verdade
merece a pena. Ela nos faz repensar como nos relacionamos, como usamos as
coisas, o dinheiro, onde investimos a vida, quais são os verdadeiros valores,
etc...
- E por último, a morte nos ajuda a tomar decisões em favor
da vida e a nos comprometer. S. Inácio de Loyola, nos Exercícios Espirituais,
aconselha, como critério para decidir, imaginar-nos à hora da morte e pensar
qual decisão gostaríamos de ter tomado. Essa decisão leva irremediavelmente a
um compromisso por toda a vida, pois ela nos torna conscientes de que esta vida
passa, e passa rápido, e não queremos ficar preso às afeições desordenadas, mas
desejamos investir toda nossa vida em um projeto que nos dê sentido e nos
implique totalmente.
A fé cristã não é masoquista ou sádica quando nos ensina a
bem morrer. Assim nos dá maior responsabilidade diante da nossa própria
vida.
Texto bíblico: Jo 6,37-40
Na oração: “Fazer memória agradecida” de tantos
familiares, amigos ou pessoas mais próximas que viveram intensamente e que,
generosamente, partiram e “deixaram um cantinho deste mundo” mais
iluminado.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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