11 de novembro de 2019
Péricles Capanema
Hoje quero ser todo mundo. Sei não, anda sumido todo mundo,
precisa de quando em vez aparecer e dar o ar da graça. Areja, todo mundo não é
romântico, fantasia pouco, tem os pés no chão.
O baiano (soteropolitano) Acelino “Popó” Freitas foi
tetracampeão mundial de boxe em duas categorias. Grande carreira no esporte. A
seguir, tentou outro ringue, a política e nele se deu mal. Em 2010, pelo PRB
elegeu-se suplente de deputado federal com 60.216 votos — exerceu o mandato. Em
2014, tentou de novo, perdeu a eleição, obteve 23.017 votos. Em 2018, outra
derrota, não passou dos 4.884 votos. Tomou do eleitorado um direto no queixo.
Desiludiu-se com a política; hoje afirma: “A população
é muito corrupta. Ela consegue ser até mais corrupta que o próprio político.
Ela só quer o seu voto se você der uma dentadura, uma cesta básica, um material
de construção, bola, colete. Não tinha dinheiro. Sem dinheiro, você não
vai. ‘E aí, vai me dar quanto pra gente conseguir um monte de voto aqui no
bairro?’. ‘Não tenho’, eu respondia. ‘Então, tchau. Tem outro aqui fazendo
oferta pra gente’”.
Em português sofrível, Popó explica o dia a dia do político
normal — e ele era deputado federal, imagine o deputado estadual e o
vereador: “A minha chateação é porque eu percebi que ser político é você
ser errado. […] Se eu fizesse tudo errado, ou eu estava preso, ou ganhava a
reeleição. […] Só para Salvador eu mandei quase R$ 7 milhões para Neto de
emenda. E com projetos, para academias sociais debaixo de viadutos, construção
de quadras. Esse projeto eu destinei alguns projetos para a Rótula do Abacaxi,
para todos esses novos viadutos. Eu destinei alguns projetos já com verba, já
com tudo 3D para a Secretaria de Esportes. E não saiu. E o estado que mais dá
títulos à Bahia é o boxe. Fiz como deputado federal mais de 70 projetos de lei
[…] E quando as pessoas vinham para me ajudar… eu dizia: ‘Eu faço esse campo e
um posto de saúde e em contrapartida eu quero que vocês me apoiem.’ Aí o
pessoal dizia: ‘Não, eu quero que você banque mais de 40 pessoas por mês com
mais de R$ 1 mil de salário’. A própria população se torna mais corrupta que o
deputado. E aí eu senti na pele o que é ser político, o que é fazer política”.
Exposição um tanto confusa, mas dá para entender. Popó
compreensivelmente queria votos como retribuição por ter conseguido o dinheiro
para melhorias na Bahia. Precisava deles para continuar na política. Todo mundo
sabe, deputado age assim, cabem nos dedos da mão as exceções. Os eleitores
exigiam mais. Popó não tinha mais. Perdeu. Resumiu o que todo mundo sabe, sem
dinheiro você não vai.
Como sem dinheiro a coisa não vai, uma forma para ir é
arrancar da viúva a bufunfa para as campanhas. Dinheiro público, autorizado,
tudo legal. Todo mundo deblatera — e com razão — contra as verbas públicas
bilionárias jorrando no bolso dos partidos (Fundo Especial de Assistência
Financeira aos Partidos Políticos e Fundo Especial de Financiamento de
Campanha). São verbas para campanhas de autopromoção, entre outras necessidades
prementes, retiradas da construção de postos de saúde e escolas.
Não bastam os dois fundos referidos. Saem outras verbas para
campanhas dos cargos em comissão, e aí é preciso não esquecer as rachadinhas.
Os titulares dos cargos em comissão, além de ter algumas vezes de rachar o
salário com o eleito, muitas vezes são apenas cabos eleitorais. Única função:
cabos eleitorais por quatro anos pagos com dinheiro público, milhares Brasil
afora. Fabrício Queiroz, do ramo, há pouco foi gravado dizendo: “Tem mais
de 500 cargos lá na Câmara, no Senado. Pode indicar para qualquer comissão,
alguma coisa, sem vincular a eles em nada, em nada. Vinte continho para a gente
caía bem […] Um salariozinho bom desses aí, cara, para a gente que é pai de
família, caía igual a uma uva”.
Sem dinheiro, você não vai, fica parado, constatou o
boxeador nocauteado em ringue dominado por profissionais de outro esporte. Tem
ainda tem o caixa 2. Todo mundo sabe, muitos doadores não querem aparecer nas
listas oficiais, mas aceitam ajudar. “Toma aqui, leva, boa sorte, não
quero recibo, assim tá bão, senão você me complica”. E o candidato
precisando de dinheiro, leva. É raro o político que não tem o caixa 2.
Muita gente de grande qualificação profissional fica longe
da política por causa dos vícios acima apontados. Com isso privam o Brasil das
lues de seus talentos, deixando o campo livre para aventureiros, arrivistas,
inescrupulosos e nulidades — nossos legisladores e governantes em geral, com as
exceções que a praxe comanda. Cheguei até aqui e lembro: — todo mundo sabe que
é assim, todo mundo finge que não sabe que é assim.
Quereria destacar hoje apenas um ponto. Debate-se
continuamente reforma política e reforma eleitoral — todo mundo fala nelas.
Parte da corrupção no mundo político vem dos custos altíssimos das campanhas
eleitorais. É imperioso baixá-los. Os custos da monarquia inglesa são dinheiro
de pinga (e lá atraem milhões de turistas) se comparados com os custos das
campanhas eleitorais da democracia brasileira, e daqui os turistas fogem
espavoridos.
Proponho medida factível para gastar menos dinheiro. O voto
facultativo baratearia as campanhas. Melhoraria a qualidade da representação. E
nada mais democrático que ele. O voto é direito do eleitor. Quer exercitá-lo,
vota. Não quer, fica em casa. Sem penalidades. Nada mais civilizado. Os países
mais democráticos e civilizados têm voto facultativo. Temos voto facultativo,
entre outros países, nos Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França,
Itália, Espanha, Canadá. Voto obrigatório: Bolívia, Honduras, Panamá, República
Democrática do Congo, Egito, Tailândia, Líbia. Nossa companhia. Esse atraso é
mais um fruto venenoso da Constituição de 1988, está na hora de acabar com tal
entulho autoritário, retrocesso que entrava a autêntica representação popular.
Por que os políticos fogem do voto facultativo? Razão
principal e simples, poria a nu a farsa da democracia brasileira. O mundo
político brasileiro está assentado sobre uma fraude, sua popularidade,
decorrente de atávico romantismo, que falseia desde décadas a realidade. As
gigantescas votações, creio, cairiam em aproximadamente 80%, ficaria claro que
a população vive de costas para o mencionado mundo político. Mas, ao invés do
engano, trapaça e turbação, hoje imperantes, como ótimo começo e fundamento da
vida pública teríamos verdade, autenticidade e transparência, condições de
democracia real e não a contrafação dela que nos empurram goela abaixo. Daí viriam
debates mais qualificados, menos demagogia, eleitos com melhores condições para
servir ao bem comum. E então o povo padeceria menos da demagogia que hoje o
engoda e infelicita. Meu pedido, comecemos por aí, com a introdução do voto
facultativo, passo, ainda que modesto, na direção certa. Como todo mundo,
contudo, tenho poucas esperanças de ser atendido. Como todo mundo, vou
continuar levando cruzado no queixo.
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