São Paulo
Cyro de Mattos
(Para Samuel Penido - em memória)
O
Brasil é uma nação com várias nações dentro de seu território de dimensões
continentais. Encontramos em São Paulo todas essas nações brasileiras com pessoas
vindas dos lugares mais distantes do País. Nessa cidade com uma superpopulação
sempre crescente ouvimos, diariamente, vozes estranhas, costumes vindos de
povos que possuem tradições das mais singulares.
O homem do interior que pisa pela primeira vez
nessa aldeia global fica como peixe fora d’água. Impressiona-se com a paisagem
feita de cimento e aço, de grandes edifícios, que buscam as nuvens mais
altas. No asfalto, pneus cantam, o homem
passa anônimo e veloz nessa forja gigantesca que nunca descansa.
Corre no tempo
que nessa cidade trabalho e dinheiro andam de mãos dadas. O homem aqui tem que ganhar dinheiro com
unhas e dentes numa maratona suicida. O
coração financeiro da cidade é a Avenida Paulista com o seu modo intenso de
estipular o mundo.
Riqueza e
pobreza são vizinhas em São Paulo. Ao céu aberto e nas galerias, elas estão
juntas, vivem em seu ritmo tumultuado.
Soltam fumaça nas fábricas com suas inúmeras chaminés, que tornam o sol
pálido, as nuvens cinzentas e o ar que tosse constante. Prenhe de detritos, o
Tietê percorre a cidade na descida triste inventada por bocas de vômito. Um rio
com sua mágoa desce no curso viscoso, pulmões quase sem ar nas águas escuras,
como a dizer SOS São Paulo antes tarde do que nunca.
Falam que o ser humano em São Paulo está prisioneiro num
tempo de bruma. Diluído na multidão. É um partir que não chega, um caminhar sem
parar. Hospitais, escolas, igrejas, fichários, descargas de fumaça, lá se vai o
fiel habitante sem bagagem e com suas armas que comovem. Nas esquinas, bares, restaurantes,
danceterias, madrugadas. Nos motéis com fumos, com cio, álcool, drogas. Colmeia
gigantesca, aqui o homem tem a língua presa na sua ânsia de falar com
solidariedade e doçura. Esse homem sem
nome na selva de pedra. No shopping
center, no subsolo, na Avenida São João, no estádio, no metrô, no supermercado,
na fábrica, no elevador. O homem e seus dentes de fera naquele velho
aprendizado de ter uma vida com sobras.
Nessa cidade onde o povo é fluxo e refluxo em torno de si mesmo, tão
luta.
O homem tão do mundo, vivendo o seu medo na cidade enevoada.
Você acha um lugar ao sol na praça, onde os pombos fazem uma
bela aparição. Igual à Cinelândia, no Rio de Janeiro. Os pombos fazem uma bela
formação, baralham em festa tormentas, suavizando o animal insano, o desarmado
pedestre, o audaz andarilho diário em seu estado de graça.
Cyro de Mattos é autor de mais de 50 livros, de diversos
gêneros. Também editado no exterior, Do Pen Clube do Brasil e Academia de
Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz
(Bahia). Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.
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