22
de setembro de 2019
· Péricles Capanema
Como pai e mãe educam os filhos? Começo
por um dos fundamentos, o que interessa no caso. A preparação para a vida entre
os homens apresenta marcantes traços comuns com o modo de, por exemplo, a onça
e outros animais prepararem os filhotes para a sobrevivência. Pela imitação,
lei da natureza; outro jeito, pela força do exemplo. Gradualmente, ensina-os a
se defender dos perigos, a caçar, a procurar abrigos. E o homem é mamífero,
guiado pela razão.
De igual maneira, enorme papel tem a
imitação na educação infantil. Forma o caráter o bom exemplo dos superiores, no
caso, os mais naturais e imediatos, os pais. No ambiente da família, o filho em
especial imita o pai, a filha em particular a mãe, ambos movidos fortemente
pela admiração. Nada mais normal que, aperfeiçoando a imitação, buscando
padrões de comportamento, o filho idealize os pais, para ele causa, modelos,
mestres e regentes. E assim tantas vezes, para bem formar o filho, pais e mães
ocultam vícios e má conduta — exemplo corrente, os fumantes. Se não são, pelo
menos precisam ser visto como sendo modelos. A educação pela imitação
admirativa repercute desde a mais tenra infância até a extrema ancianidade.
Qualquer desarranjo em tal processo traumatiza, deixa sequelas vida afora.
Depois na educação temos os ambientes familiares, sociais, rodas de amigos, a
escola. E então se avulta o papel do professor.
Mas não pretendo falar de pedagogia do
infante. Meu assunto é outro, governo — pedagogia adulta. Sei, uma tem relação
com a outra. Vamos lá. O Estado existe para a promoção do bem comum (o bonum
commune da Escolástica). João XXIII na “Pacem in Terris” lembrou esta
verdade, hoje tão esquecida, em palavras precisas: “[A] realização
do bem comum constitui a própria razão de ser dos poderes públicos”. Emerge
a pergunta: o que é o bem comum? Volto a João XXIII: “o conjunto de
todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento
integral da personalidade humana”.
Destaco o enunciado “desenvolvimento
integral da personalidade humana”. Integral. Para tal crescimento, contam
fatores materiais, contam sobretudo fatores morais. E aqui entra o papel de
formador do governante. Na mais funda raiz, a obrigação do decoro, bem como a
chamada liturgia do cargo e a sujeição ao cerimonial se assentam na
contribuição ao bem comum advinda do bom exemplo do governante. Em decorrência,
a lesão ao bem comum que seu mau exemplo acarreta. E a congruência da punição a
tal conduta. Expressão de tal verdade temos no artigo 9º da lei 1079 de
10/4/1950 que tipifica como crime de responsabilidade “proceder de modo
incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. O que pode
levar à perda do cargo.
Na vida de uma nação todo esse edifício
se apoia na noção idônea de bem comum. A ideia de bem comum sem simplismos,
rica, multifacetada, abarcando toda a realidade, que incorpora com
discernimento os fatores morais, intelectuais, psicológicos e materiais é
pressuposto da democracia autêntica, da saudável participação popular, do
governo realmente voltado para os interesses populares e nacionais. Sem tal
concepção, tornam-se desnaturadas as noções de democracia, participação e
governo; funcionam mal as instituições e se escancaram as portas para a
demagogia.
Fato ilustrativo, em 25 de agosto de
1928 o presidente Washington Luís [foto ao lado] inaugurou a
Rio-Petrópolis, a primeira rodovia asfaltada no Brasil, e na ocasião pronunciou
frase que se tornou célebre: “Governar é abrir estradas”. Parece,
nem ele julgava que governar se reduz essencialmente a abrir estradas. Mas a
afirmação simplista ficou no anedotário político. Exagerando, puxando a corda
para o outro lado se poderia dizer: “Governar é dar bom exemplo”. Nem um, nem
outro. Governar é promover o bem comum, simples assim, fazer estradas e dar bom
exemplo forma parte do todo.
Também a ideia correta de
representatividade tem relação com o bem comum. A promoção do bem comum supõe
via de regra que a nação se faça representar pelo que tem de mais expressivo. É
parte da exemplaridade própria às funções públicas — probidade, decoro, brilho.
Nunca ali deveria estadear o extravagante, excêntrico e estapafúrdio. No
Brasil, cada vez mais, pecamos aqui, todos sabem.
Verba movent, exempla trahunt (Palavras
comovem, exemplos arrastam). Faz muita falta o arrastão do bom exemplo.
Ajudaria o bem comum, facilitaria o apostolado.
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