2 de
setembro de 2019
Péricles
Capanema
Um quarto de século tem o Plano Real. O
Brasil, antes do real — que passou a ser nossa moeda em 1º de julho de 1994 —,
era de um jeito; ficou de outro depois dele. Em 1994, inflação ainda
descontrolada, brandindo programa radical Lula caminhava para ser eleito em
outubro. Sob o clima do real, inflação estancada, sensação de ordem, esperança
renovada, FHC ganhou as eleições em 1º turno com 54,24% dos votos, ficou oito anos
no Planalto e só entregou o poder ao PT em 1º de janeiro de 2003.
Hora de parar e pensar sobre aspectos
importantes que mudaram no Brasil, em especial os empurrados para a sombra. Bom
apoio para reflexões é a recente entrevista do economista Pérsio Arida,
ex-presidente do Banco Central, um dos pais do Plano Real, estampada nas
páginas amarelas da Veja.
Naquela ocasião, 1994, o estatismo se
esgueirava envergonhado pelos cantos no Primeiro Mundo. Caíra a Cortina de
Ferro e escancarara o atraso e a miséria do socialismo; ainda sopravam os
ventos de liberalização econômica dos governos de Ronald Reagan (1981-1989) e
Margareth Thatcher (1979-1990). Entre nós, sina de retardatários, soprava ainda
forte o vendaval insalubre do estatismo, impedindo avanços civilizatórios.
Assim comentou Pérsio Arida as vendas
de estatais na esteira do Plano Real: “As privatizações da Telebrás,
dos bancos estaduais, da Vale do Rio Doce. Era tudo tão difícil que precisava
de força policial na porta da Bolsa de Valores para segurar os leilões”. Vamos
reter o “era tudo tão difícil”. Observa ainda o
economista: “Curiosamente, a maior oposição foi do PSDB de São Paulo,
pois queríamos privatizar os bancos estaduais”. Em postura
regressista, continuavam aferrados ao estatismo todo o bloco esquerdista [não
mudou] e igualmente um embolorado nacionalismo estatizante, ufanista, romântico
e dogmático. Por isso “era tudo tão difícil”.
A desestatização avançou pouco,
retrocedeu no período petista, persiste o dinossauro estatal e, indício claro
de retrocesso, a Petrobrás ainda refina quase 100% do petróleo. Mas, em medida
dinamizadora, a estatal anunciou que em aproximadamente dois anos, vai vender
para a iniciativa privada oito refinarias, em torno de 50% da capacidade de
refino do Brasil, o que, junto com outras medidas, trará concorrência para o
setor da energia — maior produção e preços mais baixos. Entre as medidas
complementares anunciadas, o governo tentará executar o projeto intitulado “O
Novo Mercado de Gás” para terminar com o virtual monopólio de produção,
transporte e distribuição exercido pela estatal.
Constam do programa a venda de
transportadoras e distribuidoras de gás da Petrobrás, bem como novos
regulamentos que diminuirão a intermediação, dando maior força ao consumidor e
ao vendedor final. A União pretende estimular a venda de distribuidoras, hoje
nas mãos de Estados da federação. O setor terá novos participantes,
concorrência acirrada e se espera que o preço da energia baixará enormemente.
Com isso, estímulo para a produção e enriquecimento geral da população.
“Era tudo tão
difícil”. Era, hoje não é mais, está
relativamente fácil privatizar, a oposição ficou menor e menos encarniçada. São
avanços importantes, amadurecimentos na opinião pública que despertam
esperanças. Esperanças que o público, melhorando em suas orientações, estimule
um rumo em que o papel indispensável do Estado seja subsidiário. E que a
sociedade, com base familiar, se fortaleça. É avanço civilizatório, trará
recursos para realizar mais largamente a justiça social.
Trato agora de outra matéria,
relacionada com a anterior, mas onde a maturação vem sendo lenta. Faz falta
avançar célere, abandonar a molecagem destruidora, a esbórnia e assumir por
inteiro para bem do Brasil a maturidade produtiva. Maturar é crescer. Em
especial os pobres do campo têm direito a esse aperfeiçoamento.
Desde os anos 50 sobre o Brasil
despencaram sucessivos e amalucados programas de reforma agrária, cujo efeito é
invariavelmente baixíssima produtividade, disseminação de favelas rurais, fuga
de capitais no campo, burocratismo, empreguismo e gatunagem. Programa delirante
de atraso ainda que inconfessado, seus efeitos estão à vista nua: dinheirama
pública torrada irresponsavelmente, bilhões e bilhões, favelas rurais, bagunça,
favoritismo e roubalheira. É preciso eliminar esse recuo da vida brasileira,
acabar com tal involução renitente. Já há numerosos e sérios estudos a
respeito, economistas e agrônomos apontam o disparate desse amazônico gasto
despropositado. Décadas e décadas de disparates e dilapidação de recursos num
programa que nos envergonha em qualquer cenário internacional idôneo. Se nem um
tostão tivesse sido desperdiçado nessas maluquices em ufana e produtiva
omissão, a situação dos pobres no campo seria hoje melhor, a produtividade mais
alta, teriam sido atendidos melhor a saúde e a educação para o povo em geral.
Aqui, um obstáculo grosso ao progresso
nacional. Como base dessa regressão, em rápidos traços acima recordada, que já
chamei de tumores de estimação, temos legislação demolidora, parte
constitucional, parte infraconstitucional, entulho que torna inseguras as
relações jurídicas, inibe a produção de alimentos, dificulta a verdadeira
justiça social no campo. Pior, tal legislação tóxica poderá ser utilizada no
futuro por governo de esquerda [será, logo que a oportunidade surja] para jogar
o Brasil no caminho de Cuba e da Venezuela. Não custa lembrar, Salvador Allende
fez assim no Chile; sem modificar a legislação, apenas lançando mão de vigentes
“resquícios legais”, impôs violento programa de expropriações e estatização.
A bancada ruralista tem mais de 250 representantes
(Câmara e Senado juntos). Luta por financiamentos melhores, subsídios, preços
compensadores, portas abertas lá fora para exportação da produção, interesses
imediatos. Certo. Todavia, com momento favorável a suas reivindicações, revela
apatia com interesses mediatos, ou, por outra, fundamentais, de longo prazo.
Não existe nenhuma comissão ou grupo de estudo — e ninguém sequer trata do
assunto —, de homens da ciência e da experiência, que compulsem toda a
legislação vigente, pente-fino, para dela tentar expungir por meio de
pertinentes propostas legislativas [PECs e projetos de lei] tudo o que ali fede
a intervencionismo e coletivismo; enfim, a socialismo. Por baixo, evidencia
imaturidade, medo de andar fora da trilha do politicamente correto e não só da
classe rural, mas da opinião pública conservadora em geral. Falava acima de
amadurecimento esperançoso. Constato aqui imaturidade decepcionante. Nelson
Rodrigues dizia: “Jovens, envelheçam rapidamente”. É o caso de
reclamar: “Brasileiros, amadureçam rapidamente”. Em tudo.
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