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quarta-feira, 24 de julho de 2019

ORELHAS DE FOGO - Jorge Luiz santos


Petro e Cicro são dois comparsas recém-chegados ali. Ainda não tiveram tempo para conhecer e ser conhecidos pelas pessoas daquele lugar. Mesmo que quisessem não poderiam fazer nenhum juízo de valor, pelo fato de nada de bom ou de ruim, saberem sobre aqueles moradores, nem estes sobre eles. Com conhecimento de causa, só poderiam falar bem ou mal era deles mesmos.

Para complicar ainda mais a situação, praticaram mais um ato criminoso, quando chegaram naquela comunidade. A ação veio a público, mas sobre a autoria investigada, só eles mesmos sabiam. Psicologicamente cada um se confortava no provável silêncio imposto pela cumplicidade da coautoria do outro. As vezes discutiam qual dos dois havia atirado primeiro, mas depois transferiam a responsabilidade para o outro, porque um tiro só não dava para matar a vítima; às vezes, a briga era em torno de quem tinha sido o autor intelectual daquele latrocínio, até então perfeito.

Petro levanta-se depois das doze horas da noite e não encontra Cicro em casa. Abre a janela e vê ele conservando com um morador da circunvizinhança. Quando Cicro chega, Petro pergunta:

- Cicro, desde que horas você estava de papo com aquele cidadão?

- Desde as cinco horas da tarde.

- Foi desde essa hora que comecei a sentir as minhas orelhas se esquentarem. Quando fui olhá-las no espelho, elas estavam tão vermelhas e transparentes, que pareciam duas bolas de fogo.

- Como você conseguiu dormir, nesse estado?

- Não sei. Só sei dizer que houve um intervalo, uma trégua e depois conseguir madornar um pouquinho. Por incrível que pareça, quando estamos a sós, nunca tenho esse sintoma.

- Por mera coincidência, o mesmo acontece comigo, quando você está conversando, sem a minha presença, com qualquer um morador daqui.

- Mera coincidência não existe. O que é que você fala pra eles de mim?

- O mesmo que você deve falar de mim pra eles.

- O que é que a gente pode falar deles e eles de nós? Nada, absolutamente, nada. Lembre-se
de que nós e eles não nos conhecemos ainda. Aliás, já pensou quando isso realmente acontecer?

- Não me fale numa desgraça dessa.

- Por quê?

- Porque já nos enxergo, a qualquer hora, vendo o sol nascer ¨quadrado¨.

- Se isso vier a acontecer, é por culpa sua!

- Minha não, sua!

- Quem deu o segundo disparo?

- Você!

- Eu não!

- Você!

- Sabe a conclusão a que estou chegando?

- Não!

- Que, entre nós dois, um deve dar e não perder...

- Dar e não perder o quê?

- O terceiro tiro!


JORGE LUIZ SANTOS.
Advogado e cronista. Itabuna - Bahia

Fonte: JORNAL DIREITOS, Julho de 2019

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