Contos Mágicos
Cyro de Mattos
Denise Emmer é compositora e violoncelista, ficcionista e
poeta. Pensa o mundo pelo som quando usa a linguagem abstrata da música.
Procede em instante mágico quando cria prosa de ficções breves. É ficcionista
dotada de um caráter apurado do belo, que a faz possuidora de uma compulsão
admirável para narrar o mundo. Escritora de linguagem fascinante, com a sua
tendência em transfigurar, poetizar e gostar dos seres. Escrever contos para essa autora de ritmo
atraente é sua forma de “clarear o desalento, as angústias, os seres
solitários”. Construir inventos com os
meios propícios à fatura harmoniosa de metáforas, ideias, cenas
desconcertantes. Sua linguagem, que mora na asa do tempo, simboliza naufrágios,
solidões, impulsos nas zonas suspensas do sonho.
Em “O Primeiro
Rei”, por exemplo, o personagem alude ao mundo como um resumo do sonho. Se tudo
é essa ilusão, entre o viver e o morrer, saber sonhar é preciso. É o que deixa
transparecer Denise Emmer, nas cenas que se inundam de poesia e música, de
forças estranhas, configuradas em desencontros, ausente de explicação do
inevitável, no lugar de um cenário humano com reflexo do todo ideal.
Em “Escadaria
de Pedras”, outro de seus contos com sabor de obra-prima, latejante de dor e possibilidades difíceis, à certa altura o texto diz,
para aliviar o conflito de que a
mãe é portadora, que se oferte suas flores à noite, pois a ela restava
encontrar “a velada beleza da morte.” Em “Sem Começo, Sem Meio, Sem Fim”,
Ninguém é um ser de complexa forma e mente estranha. Um velho cansado dele
mesmo, para ele “o dia não começa no dia. Se já é dia, com sol alto e galos
vermelhos, também poderá ser noite.”
Denise Emmer
logra extrair fantasia da matéria obscura no mundo. Sua consciência lúcida
sabe que passam os invernos e os outonos
como estações de solidão e mesmo as primaveras com flores pálidas e cantos
pobres, “enquanto os verões afogam a criatura humana de tristeza.” Em “Ensaio
Geral”, conto em que entra na tessitura da situação uma música feita de impetuosos
sentimentos, o traje preto
iguala os componentes da orquestra a uma noite sem janelas. As melodias
entrelaçam-se como contraponto de sonoridades ardorosas, e a grande música há
de revelar as melhores criaturas, felizes, entre os acordes de ilusões. Em “O
Cavalo Cantor”, tão lindo e raro, ele pode ser chamado por vários nomes, menos
o de Morte. Isso vai acontecer uma vez, assim
que ele empinou bravio. Houve um voo súbito, com as estrelas puxadas para as
suas patas. Livres, a viajante e seu cavalo estrelado galoparam para o eterno.
No Brasil, o realismo mágico tem como valores maiores José
J. Veiga e Murilo Rubião. Essa tendência ou estilo aparece agora nos contos de
Denise Emmer. O Cavalo Cantor e Outros
Contos é um livro excelente. O seu realismo fantástico, de natureza poética,
sobra na inventiva e narrativa belíssima. É puro brilho de criatividade, rico
nas imaginações que encantam. Ergue-se da razão emotiva sem esforço, produz
surpresas esplêndidas. Faz-se engenho e arte por boas mãos.
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