29 de maio de 2019
Nelson R. Fragelli
De
longe ela atrai. Ela convida a se aproximar. Sente-se que ela quer se
comunicar. Sente-se que ela tem palavras de reconforto. Há quase 900 anos ela é
a casa da Mãe de Deus cuja bondade ao longo desses séculos penetrou suas
pedras. Não há quem olhando-a não sinta promessas e esperanças. Em sua grandeza
ela não espera que o peregrino lhe faça uma promessa a ser paga se uma graça
lhe for concedida. Não, ela se adianta e faz sentir no íntimo dos corações seu
desejo de ajudá-lo. Quem não necessita de ajuda? Basta aproximar-se para
obtê-la.
E os visitantes se aproximavam aos milhares. Nos últimos tempos, em quase todas
as estações do ano, as filas eram longas. Bem mais longas do que no fim do
século passado. Aspirações e esperanças formavam aquelas filas. O que são essas
esperanças? É a certeza de que ali serão preenchidas partes vazias da alma que
pena em meio a este mundo. Por isso ela atrai tanto. O visitante intui que no
mais alto daquelas esperanças está o ponto de encontro com Deus.
Essa mesma esperança um dia moveu um jovem incrédulo rumo à aceitação da Fé.
Ele cedeu àquela atração bondosamente expressa pela imagem de Nossa Senhora, em
meio à rosácea central, tendo nos braços seu divino Filho. Viu-a, aproximou-se
e entrou. Entrando, encontrou um mundo repleto de tão fortes impressões que
ficaria atordoado se elas não fossem inteiramente calmas e ordenadas.
Silenciosamente percorreu as naves da catedral com os olhos fixos nas altas
abóbodas e na magia das cores escachoantes dos vitrais, radiante de luzes
espirituais recolhidas na penumbra do templo. Esse jovem tornou-se conhecido no
mundo católico. Era o literato Paul Claudel (1868 – 1955).
Naquele dia ele via esse santuário ao toque de sinos
do Angelus, momento tranquilo em que Paris faz a pausa do meio-dia. Vejo a
igreja aberta, escreveu Claudel. É preciso entrar. Ao entrar diz meramente, Mãe
de Jesus Cristo, não venho rezar. Nada posso oferecer, nada tenho a Vos pedir.
Venho somente, Mãe, vê-la de perto. Quero estar convosco no lugar onde estais.
No lugar onde estais. Claudel sentia particular conforto em estar com a Mãe de
Deus naquela Catedral. E ali se deu sua conversão. Convertido ele exprime com
poesia o chamado feito por aquele lugar sagrado a cada um que o vê. Chamado que
desde então se intensificou para incontáveis almas arrastadas pela voragem do
mundo contemporâneo. Desde a conversão de Claudel a catedral se manteve a
mesma, mas o mundo se distanciou de Deus. Olhá-la do fundo do vale obscuro
deste século é vê-la numa expressão de esplendor que ela parecia não irradiar
tão fulgente aos olhos daquele passado ainda não distante. Cresceu a impiedade.
Cresceu também o fulgor da Catedral.
Vê-la de perto era tudo o que Claudel queria. Vê-la “porque estamos neste
século e Vós estais lá para sempre”. A sede de virtudes eternas o chamava a
Notre Dame. A mesma sede atua hoje embora, para muitos, mais imprescindível.
Sua majestade imóvel põe nobres sentimentos e inclinações em
movimento. E ela atrai possantemente. “Derramai Vosso orvalho sobre esta
Terra deserta e fazei cessar sua longa aridez”, pede Santo Agostinho em sua
célebre oração ao Divino Espírito Santo. Este orvalho bem pode ser o outro nome
para aquela doce atração exercida pela Mãe sobre filhos necessitados.
Comentando este ponto da mesma oração Plinio Corrêa de Oliveira observa que
tantas almas postas neste mundo, em razão de seus defeitos, sentem uma
insuficiência e uma solidão interior. Muitas têm a ilusão de encontrar neste
mundo o remédio para sua aridez. Não pode haver erro maior, pois as profundezas
do coração humano são difíceis de discernir e sua obscuridade torna complexa a
percepção do que nelas se passa. Este mundo não é capaz de entendê-lo.
Quem não sente essa obscuridade complexa nos tormentosos
dias atuais? Não é a resplandecência de Notre Dame a luz que sana aquela
obscuridade interior e que atraiu almas desertas e sem Fé, como um dia atraiu
Claudel? Não será a mesma procura de uma luz interior a atração exercida pela
grandeza desse templo sobre tantos que nele entram e ali encontram elevação? Em
meio à aridez espiritual deste século Nossa Senhora, em sua casa, concede luzes
de sua materna afeição que vão ao fundo dos corações. Maria tem de seu Filho o
poder de sanar. Ela repete maravilhas semelhantes às operadas por seu Divino
Filho, como em Cafarnaum, onde uma mulher aproximou-se de Jesus por detrás,
tocou-lhe a orla do manto e no mesmo instante foi curada. E Jesus percebeu que
dele saíra uma virtude e olhava em derredor para ver quem o tocara. (Cfr. Mc 5,
25-34). Tocar Notre Dame significa dar-lhe um olhar. E entrar. Um olhar apenas.
Uma visita somente. É o que pede Nossa Senhora em sua catedral a fim de
dissipar tantas trevas interiores.
No dia 15 de abril um incêndio devastou a parte superior da
catedral e com ela a flecha esbelta e ousada. A flecha sublimava a catedral
representando o voo ao Infinito. Simbolizava o dedo de Deus apontando o Céu
(Marcel Proust). Se entre pilares e abóbodas, rosáceas e penumbras de seu
interior a percepção da clemência de Maria elevava os corações ao desejo do
Céu, a flecha era a confirmação no exterior do Templo dessa elevação. Vista de
longe, para quem se aproximava, ela era arauto daquelas grandezas. Para quem
partia, ela alimentava saudades daqueles espaços interiores benditos onde “a
doçura de Nossa Senhora comunicava força” (Plinio Correa de Oliveira).
O conde de Montalembert (1810-1870) descreve a igreja
medieval de Marburg (Hesse), às margens encantadoras do rio Lahn. Uma igreja em
ruínas. Nela fora sepultada Santa Isabel da Hungria (1207-1231). Ao descrevê-la
Montalembert fez esta observação: “A Fé que deixara na pedra fria sua
marca profunda nada deixara nos corações”. Pedras devastadas ainda ostentavam a
beleza medieval do lugar onde repousara a grande santa. Os corações dos homens
tinham-se tornado insensíveis. Donde a ruína daquela igreja. Este pensamento
vem à tona no momento da restauração da catedral. Como será feita? Idêntica ao
que era? As autoridades eclesiásticas e civis responsáveis conservarão no corpo
sagrado da catedral elementos de irradiação da Fé esplendorosos tal como eram
até o recente ultraje cometido pelas chamas? Ou serão essas chamas a apagar
canduras e virtudes irradiadas por Maria?
1 comentário
José Antonio Rocha
29 de maio de 2019
Não tenhamos medo. Os escravos de satanás não vencerão. Deus
é mais forte que todo o mal. Jesus Cristo venceu o mundo, a morte e o pecado. O
coração imaculado da Virgem Maria triunfará. Notre Dame resplenderá uma Luz
mais cristalina que a mente humana nunca será capaz de imaginar, mas todo
coração receberá conforme e mansidão. Amém.
* * *
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