13 de março de 2019
Péricles Capanema
De forma obsessiva, o Carnaval tomou conta da televisão, dos
jornais, das revistas, de blogues e sites sem-número. Estadeia visibilidade no
topo. Viro a moeda, agora miro a coroa. Tomou conta da conversa das pessoas? De
suas preocupações? Está de vera em ascensão rumo ao auge?
Corta. No turbilhão de notícias, saraivadas sucessivas,
desventrando o caos em que se encontra o Brasil, há anos venho seguindo
fenômeno alvissareiro: o Brasil amadurece. Lenta e continuadamente. Por que
digo o Brasil? Por ser fenômeno generalizado.
Em vários pontos, emergem gradualmente, tendendo a serem
majoritárias, opiniões que supõem reflexão, amplitude de vistas, sopesamento
sereno de vários fatores, condições inafastáveis para caminhar na direção
certa. Exemplos. Meses atrás li observação do jornalista Otávio Frias Filho
(1957–2018), impressionou-me: “Eu fui bem socialista, digamos, entre 76 e
78 ou 79. Mas sempre com visão crítica. Daí eu recebi um convite da parte da
‘Economist’ pra visitar a Grã-Bretanha. Era programa muito bom, você ficava um
mês conhecendo instituições e parlamentos, além da Redação da revista. Era a
época Thatcher, e eu fiquei impressionado: quanto mais velha a pessoa que eu
entrevistava, mais de esquerda ela era. Quanto mais jovem, mais de direita. Eu
disse a mim mesmo: ‘Tem alguma coisa errada aqui, não é normal o que está
acontecendo’”.
Nada tinha de errado, era normal o que acontecia, a
Inglaterra estava amadurecendo, deixava de lado fantasias deformantes, refletia
com menos amarras. Em suma, passava por avanço social sério; o socialismo,
retrocesso evidente, parecia velheira nefasta a setores cada vez maiores, em
especial na juventude. O Brasil, na época, infelizmente ainda estava numa
juventude transviada, verde para posição mais lúcida. Gostava de acreditar em
devaneios românticos, observava pouco, fantasiava sonhador sobre a ordem
temporal. Melhorou bastante, com tropeços andou no rumo certo, amadureceu. E
hoje teses de direita são defendidas de forma crescente por jovens.
No caso, na Inglaterra, antes blasonava dominante a opinião
de que o Estado estava chamado a resolver os problemas, a sociedade vinha em
segundo lugar. Era convicção sem dúvida deletéria. Naquele momento, a convicção
antiga murchava nos espíritos. O Estado voltava a seu papel suplementar em
relação à sociedade. Os jovens não queriam se ligar ao que presenciavam
definhando.
Otávio Frias Filho se espantou com o que enxergou no mundo
desenvolvido, oposto ao que sentia no Brasil de então, chapinhando no
subdesenvolvimento. Contou ainda o jornalista: “Eu já estava na faculdade,
sob influência enorme daquele movimento estudantil bem esquerdizado da época,
na São Francisco”. Na ocasião, o mundo intelectual brasileiro que se publicava
era maciçamente de esquerda. A juventude inglesa estava noutra, caminhava para
a direita. Hoje, é menor entre nós o domínio intelectual da esquerda nos
ambientes da intelligentsia, isto é, burguesia culta, jornalistas,
docência universitária. Apagou-se em parte o deslumbramento esquerdista.
No Brasil de então, apenas para lembrar um fato, o assunto
privatização começava a fazer seu caminho. Surgiram enormes resistências e não
apenas na esquerda clássica que deblatera até hoje contra o processo. Houve, ao
longo dos anos, marcha gradual para chegar à convicção saudável de que a
solução dos problemas nacionais descansa sobretudo na sociedade e não no
Estado, a saber, nas pessoas, nas famílias, nas empresas, nas escolas, na vida
religiosa. Hoje, proporcionalmente, mais gente, em especial na juventude, apoia
a política de privatizações (se bem-feita, claro) que no já longínquo 1979.
Amadurecimento.
Outro ponto de amadurecimento, emagreceu nosso ufanismo
infantil com o futuro do Brasil. A bem dizer sumiram ditirambos como os do
simpático conde Afonso Celso em “Por que me ufano de meu país”: “Não há no
mundo país mais belo do que o Brasil. Quantos o visitam atestam e proclamam
essa incomparável beleza.” Caíram também no descrédito as bobagens de que
somos os melhores em quase tudo, inigualáveis no futebol, reis do jeitinho,
criativos como ninguém e vai por aí afora. O óbvio ganha espaços, antes
ocupados por fantasia lisonjeante. Está mais difundida a opinião severa (e
objetiva) de que um futuro de grandeza supõe como hábito de décadas, para
começo de conversa, cultivo sério da inteligência, o esforço, a disciplina,
vida ativa, regrada e austera. Aqui também houve amadurecimento. Roberto
Campos, jocosamente (ou tristemente), com frequência trazia à baila, martelava
Gilberto Amado sempre, ele daria pulos de alegria quando encontrasse um
brasileiro capaz de ligar causa e efeito. Campos constatava, continuamos
incapazes de ligar causa e efeito. Constato o oposto: começamos em vários
setores a ligar causa e efeito, prenúncio de rumo certo.
Agora volto ao tema do artigo: o carnaval está no auge da
popularidade? De um auge, sim, melhorando, de um fundo de poço: 2019
representou explosão de espírito libertário, de paganismo debochado e
desbragado, lembrou os cultos a Baal da antiguidade pagã.
Em 2019 ficou claro também — primeira vez, pelo que atino —
um distanciamento crítico da maioria da população em relação ao carnaval,
desagradada de ver montanhas de dinheiro público torrado na proteção e promoção
da devassidão. Causa e efeito ligados.
Pesquisa do instituto Paraná desenterrou realidade em geral
oculta. Feita a pergunta: “Algumas prefeituras do Brasil decidiram reduzir
a verba do carnaval para investir em áreas como saúde, educação,
infraestrutura, entre outras. O sr.(a) concorda ou discorda dessa iniciativa?” No
Brasil inteiro, 85,8% concordam. Discordam 8,6%. No Sul, mais escolarizado e de
maior padrão de vida, 90,2% concordam. Segundo quesito: “Em sua opinião, o
carnaval deve ser: (72,6%) totalmente patrocinado pela iniciativa privada;
(21,2%) metade patrocinado pelo poder público e a outra metade pela iniciativa
privada; (2,4%) totalmente patrocinado pelo poder público. No Sul, 82,5% querem
o Poder Púbico fora do Carnaval, 12,9% meio a meio, 1,2% acham que o Poder
Público deve patrociná-lo totalmente. Terceira pergunta: “O carnaval é a
principal festa popular do Brasil?”, 53,5% responderam Não; 41,7% responderam
Sim. Existe aqui clara opinião de reserva, até mesmo de oposição. Somando e
subtraindo, os brasileiros, em sua grande maioria, prefeririam o dinheiro público
aplicado em escolas, postos de saúde, creches, segurança ao invés de vê-lo
torrado irresponsavelmente nos três dias de carnaval; é sinal de maturidade e
seriedade de espírito. De longe, brilha a purpurina da popularidade. De perto,
apresenta manchas. No caso, bom começo, desperta esperanças.
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