17 de Fevereiro de 2019
♦ Péricles Capanema
Simplificar pode ser bom, em geral as sínteses são
simplificações. Ocorrem, no rumo oposto, simplificações que deformam a
realidade e, pior, são aríetes de demolição. Vou falar sobre o segundo tipo, no
caso com gigantesca capacidade destrutiva e fôlego de gato.
Antes, entro rápido por um atalho. Nelson Rodrigues
escreveu, havia sonhado com Deus, que lhe perguntou: “O que é que você fez
na vida?”. Nada via de importante, até que, num estalo, encontrou: “Eu
promovi, eu consagrei o óbvio”. E prosseguiu: “Aí está o grande feito
de toda a minha vida. O óbvio vivia relegado a uma posição secundária ou nula.
Arranquei-o da obscuridade, da insignificância”.
Volto ao tema. A simplificação demolidora de que vou tratar
tem mais de século. No mundo, certamente é o mais forte motor do igualitarismo,
mais no ponto, do socialismo. Contamina de alto a baixo a escala social. Tem
mais veneno que a soma dos escritos de Marx, Engels, Lênin e toda a alcateia. O
que demole? Corrói hábitos, debilita ou modifica convicções; em resumo, mina
barreiras antissocialistas. Por aí se vê, precisa ser (ela mesma) demolida.
Tarefa difícil; o mantra, qual fênix de maldição, renasce sempre e no seu voo
despeja estragos sem fim, especialmente sobre os mais pobres.
Aqui está o mantra: “O esquerdista (ou o socialista), homem
sensível, tem pena dos pobres. O coração é bom, mesmo que erre muito”. Em
sentido contrário, o direitista, sujeito egoísta, não tem dó dos pobres. Pode
até acertar, mas o coração permanece duro. Com quem fica a maioria do povo? Via
de regra, a propensão é por quem tem compaixão pelos pobres. Só o abandona
quando ele provoca desastres que mexem fundo no bolso, rouba demais ou
esbofeteia costumes muito arraigados. A batalha, antes do primeiro tiro, já
fica meio perdida. Simplifiquei, mas não está descrita em linhas gerais a luta
política em muitos países?
Poucos dias atrás, ao “Financial Times”, o mais prestigioso
órgão do capitalismo britânico, pontificou Paulo Guedes, o superministro da
Economia: “Pessoas de esquerda têm miolo mole e bom coração. Pessoas de
direita têm a cabeça mais dura e coração não tão bom”.
É o gosto da boutade, dirão alguns, o ministro é
chegado numa, não deixa passar a ocasião. Admito, mas atenua o desastre?
Lembro, a boutade, para ser exitosa, precisa destacar com espírito certa faceta
da realidade. Como a frase “Foi pior que um crime, foi um erro” dito
de Boulay de La Meurthe sobre o assassinato do duque de Enghien, Põe em relevo
que muitas vezes na política erro destrói mais que crime. Ou o dito cortante de
Bismarck sobre Napoleão III: “uma grande incompetência desconhecida”. Metia
no ressalto realidade óbvia para Bismarck, mas pouco observada, as limitações
enormes do imperador francês.
Paulo Guedes não é um ministro qualquer perdido por Brasília,
tem grande agenda que pode fazer o Brasil voltar a crescer e, com isso, tirar
do buraco a milhões de pobres. Agiria melhor se fugisse de boutades, frases
irrefletidas e análises superficiais, que, sem que ele o queira, admito sem
problemas, levam água para o moinho do lulopetismo. Roberto Campos repetia,
tinha coração bom, queria acabar logo com a pobreza no Brasil, mas na quadra
histórica por ele analisada, constatava: “A cura da pobreza depende do
crescimento econômico. E as molas clássicas do crescimento continuam sendo a
poupança, a produtividade e o espírito empresarial.” Aí sim, com amparo no
Estado, com razão sugeria o político, criar redes de proteção para os
desvalidos.
Eu falava em simplificações. O amor romântico (não o efetivo
e real) aos pobres pode levar equivocadamente à simpatia com posições
socialistas. Tem levado, a dizer verdade, é fator essencial da perenidade
socialista nas urnas eleitorais. É simplificação doentia da realidade.
Mas existe outro fator, também fundamental. O que enraíza
cúpulas e militância socialista endurecida em suas posições não é a compaixão
pelos pobres, é a obsessão igualitária, inimiga furibunda de desigualdades,
mesmo harmônicas. Para eles, os pobres que se danem, sofram por décadas sem fim
as piores provações provocadas pelas imposições da experiência socialista que
supostamente os empurraria para a sociedade dos iguais. Acontece em Cuba,
acontece na Coreia, acontece na Venezuela. Onde está ali a compaixão pelos
pobres? Inexiste. É óbvio. Ululante. Socialistas autênticos não têm bom
coração. A história, repetidamente, esbofeteia o fato em nossa cara. O artigo
poderia também se chamar mentiras deslavadas. Por último, promovamos o óbvio, sempre
tarefa enorme.
* * *
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