O Apostador
Começou jogando no bicho. Mudou para a loteria federal.
Meses depois migrou para a loteria esportiva. Agora estava de olho gordo na mega-sena.
Só valia ganhar, se fosse o único ganhador, entre milhares de apostadores. Mega-sena
acumulada, ao felizardo marés de milhões. Ele, o apostador incorrigível.
A mulher tentou livrá-lo do vício. Brincadeira no início,
logo pegou feito visgo. De tudo tentou. Benzedeira, banho com sal grosso,
cartomante. Candomblé, espiritismo. Fez promessa forte a santo Expedito, o santo
das causas impossíveis. Não adiantou.
O pequeno patrimônio, com tanto esforço adquirido, sendo
dissolvido. Primeiro o sítio, depois o automóvel, a própria casa. Morador agora
de apartamento pequeno, sem luz do sol, vento fresco. Aluguel modesto, conjunto
habitacional popular.
A aposentadoria precária evitava que passasse fome.
Não tinha jeito. Todos os dias fazia o jogo, bebia sua
bebida especial. Mês entrava, mês fugia. Até as joias da mulher, herança
recebida da mãe, que recebera da avó, foram vendidas. Apostava, apostava.
Venderia a alma ao tinhoso, se preciso. Seguia em frente. Um dia acordaria como
o grande ganhador. Não conseguia fazer sequer a quadra, não desistia. Quem não
aposta, nunca ganha, uma máxima que os apostadores não esqueciam, seguiam à
risca, dela não fugiam.
Alardeava. No dia que tirasse a sorte grande com a mega-sena
acumulada, faria a maior surpresa a centenas de pessoas de sua cidade natal. A
cena diante dos rostos pasmos, na avenida principal, abarrotada de gente.
Distribuiria dinheiro gordo com muita gente, de preferência com os mais
desvalidos. Queria ver todo mundo sorridente.
Foi comprar o pão na padaria do bairro. Na rua, as fezes do
pombo acertaram sua cabeça. Que nojo! Considerou o fato, podia ter sido um
aviso. Entre tantos habitantes da cidade populosa, só ele foi o agraciado, ao
ser carimbado com as fezes das aves na cabeça. O imponderável poderia
favorecer-lhe em dados positivos lá na frente. Acertaria na mega-sena, para
isso acontecer continuasse fazendo as apostas seguidas.
Fez o jogo, riscou apenas uma sena na cartela. O dinheiro
estava curto, há tempos não fazia jogo alto. Foi conferir depois, o coração
acelerado. Só alegria, acertou em cheio na mega-sena. Sozinho. Ganhou o mundo a
notícia. Acertador do maior prêmio acumulado pela mega-sena fez apenas um jogo
em uma cartela.
Cumpriria a promessa. Compartilharia o dinheiro ganho na
mega-sena com muita gente.
Estavam crentes, pobres, medianos e ricos, que ele ia
distribuir muito dinheiro na avenida principal.
O trânsito interrompido. O locutor pelo megafone
parabenizava o homem da sorte grande. Não cabia de gente a avenida principal
naquele trecho.
Todos ficaram perplexos com a cena surpreendente. Tirou as
roupas do corpo, tacou o facão em cima e tocou fogo. Ficou gritando: “Dinheiro
você diz que me quer bem, no meu bolso você vem!”
Foi morar no sanatório Bom Retiro. Lá continuou a fazer as
apostas para acertar de novo na mega-sena.
Cyro de Mattos é escritor e poeta. Publicado por editoras
europeias. Membro da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da
Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia). Premiado no Brasil, México, Itália
e Portugal.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário