O artigo foi escrito pelo ex-deputado alagoano Mendonça
Neto, que morreu em 2010. "Você sabe manipular as pessoas, as ambições, os
pecados e as fraquezas", diz o texto, publicado em um jornal de Alagoas na
época do escândalo que levou Calheiros a renunciar à Presidência do Senado, em
2007, para não ser cassado.
..................
Carta a Renan Calheiros
"Vida de gado. Povo marcado. Povo feliz". As vacas
de Renan dão cria 24 h por dia. Haja capim e gente besta em Murici e em
Alagoas! Uma qualidade eu admiro em você: o conhecimento da alma humana. Você
sabe manipular as pessoas, as ambições, os pecados e as fraquezas.
Do menino ingênuo que eu fui buscar em Murici para ser
deputado estadual em 1978 - que acreditava na pureza necessária de uma política
de oposição dentro da ditadura militar - você, Renan Calheiros, construiu uma
trajetória de causar inveja a todos os homens de bem que se acovardam e não
aprendem nunca a ousar como os bandidos.
Você é um homem ousado. Compreendeu, num determinado
momento, que a vitória não pertence aos homens de bem, desarmados desta fúria
do desatino, que é vencer a qualquer preço. E resolveu armar-se. Fosse qual
fosse o preço, Renan Calheiros nunca mais seria o filho do Olavo, a
digladiar-se com os poderosos Omena, na Usina São Simeão, em desigualdade de
forças e de dinheiros.
Decidiu que não iria combatê-los de peito aberto,
descobriria um atalho, um mil artifícios para vencê-los, e, quem sabe, um dia
derrotaria todos eles, os emplumados almofadinhas que tinham empregados cujo
serviço exclusivo era abanar, durante horas, um leque imenso sobre a mesa dos
usineiros, para que os mosquitos de Murici (em Murici, até os mosquitos são
vorazes) não mordessem a tez rósea de seus donos: Quem sabe, um dia, com a
alavanca da política, não seria Renan Calheiros o dono único, coronel de
porteira fechada, das terras e do engenho onde seu pai, humilde, costumava ir
buscar o dinheiro da cana, para pagar a educação de seus filhos, e tirava o chapéu
para os Omena, poderosos e perigosos.
Renan sonhava ser um big shot, a qualquer preço. Vendeu a
alma, como o Fausto de Goethe, e pediu fama e riqueza, em troca.
Quando você e o então deputado Geraldo Bulhões, colegas de
bancada de Fernando Collor, aproximaram-se dele e se aliaram, começou a ser
Parido o novo Renan.
Há quem diga que você é um analfabeto de raro polimento, um
intuitivo. Que nunca leu nenhum autor de economia, sociologia ou direito. Os
seus colegas de Universidade diziam isso. Longe de ser um demérito, essa sua
espessa ignorância literária faz sobressair, ainda mais, o seu talento De
vencedor. Creio que foi a casa pobre, numa rua descalça de Murici, que forneceu
a você o combustível do ódio à pobreza e o ser pobre. E Renan Calheiros decidiu
que, se a sua política não serviria ao povo em nada, a ele próprio serviria em
tudo. Haveria de ser recebido em Palácios, em mansões de milionários, em
Congressos estrangeiros, como um príncipe, e quando chegasse a esse ponto,
todos os seus traumas banhados no rio Mundaú, seriam rebatizados em Fausto e
opulência; "Lá terei a mulher que quero, na cama que escolherei. Serei
amigo do Rei."
Machado de Assis, por ingênuo, disse na boca de um dos seus
personagens: "A alma terá, como a terra, uma túnica incorruptível."
Mais adiante, porém, diante da inexorabilidade do destino do desonesto, ele
advertia: "Suje-se, gordo! Quer sujar-se? Suje-se, gordo!"
Renan Calheiros, em 1986, foi eleito deputado federal pela
segunda vez. Nesse mandato, nascia o Renan globalizado, gerente de resultados,
ambição à larga, enterrando, pouco a pouco, todos os escrúpulos da consciência.
No seu caso, nada sobrou do naufrágio das ilusões de moço! Nem a vergonha na
cara. O usineiro João Lyra patrocinou essa sua campanha com US1.000.000. O
dinheiro era entregue, em parcelas, ao seu motorista Milton, enquanto você
esperava, bebericando, no antigo Hotel Luxor, av. Assis Chateaubriand, hoje
Tribunal do Trabalho.
E fez uma campanha rica e impressionante, porque entre seus
eleitores havia pobres universitários comunistas e usineiros deslumbrados, a
segui-lo nas estradas poeirentas das Alagoas, extasiados com a sua intrepidez
em ganhar a qualquer preço. O destemor do alpinista, que ou chega ao topo da
montanha - e é tudo seu, montanha e glória - ou morre. Ou como o jogador de
pôquer, que blefa e não treme, que blefa rindo, e cujos olhos indecifráveis
intimidam o adversário. E joga tudo. E vence. No blefe.
Você, Renan não tem alma, só apetites, dizem. E quem, na
política brasileira, a tem? Quem, neste Planalto, centro das grandes
picaretagens nacionais, atende no seu comportamento a razões e objetivos de
interesse público? ACM, que, na iminência de ser cassado, escorregou pela porta
da renúncia e foi reeleito como o grande coronel de uma Bahia paradoxal, que
exibe talentos com a mesma sem-cerimônia com que cultiva corruptos? José
Sarney, que tomou carona com Carlos Lacerda, com Juscelino, e, agora, depois de
ter apanhado uma tunda de você, virou seu pai-velho, passando-lhe a alquimia de
50 anos de malandragem?
Quem tem autoridade moral para lhe cobrar coerência de
princípios? O presidente Lula, que deu o golpe do operário, no dizer de
Brizola, e hoje hospeda no seu Ministério um office boy do próprio Brizola? Que
taxou os aposentados, que não o eram, nem no Governo de Collor, e dobrou o
Supremo Tribunal Federal? No velho dizer dos canalhas, todos fazem isso,
mentem, roubam, traem. Assim, senador, você é apenas o mais esperto de todos,
que, mesmo com fatos gritantes de improbidade, de desvio de conduta pública e
privada, tem a quase unanimidade deste Senado de Quasímodos morais para
blinda-lo.
E um moço de aparência simplória, com um nome de pé de serra
- Siba - é o camareiro de seu salvo-conduto para a impunidade, e fará de tudo
para que a sua bandeira - absolver Renan no Conselho de Ética - consagre a sua
carreira. Não sei se este Siba é prefixo de sibarita, mas, como seu advogado in
pectore, vida de rico ele terá garantida. Cabra bom de tarefa, olhem o jeito
sestroso com que ele defende o chefe... É mais realista que o Rei. E do outro
lado, o xerife da ditadura militar, que, desde logo, previne: quero absolver
Renan.
Que Corregedor!... Que Senado!...Vou reproduzir aqui o que
você declarou possuir de bens em 2002 ao TRE. Confira, tem a sua assinatura:
1) Casa em Brasília, Lago Sul, R$ 800 mil;
2) Apartamento no edifício Tartana, Ponta Verde, R$ 700 mil;
3) Apartamento no Flat Alvorada, DF, de R$ 100 mil;
4) Casa na Barra de S Miguel de R$ 350 mil.
2) Apartamento no edifício Tartana, Ponta Verde, R$ 700 mil;
3) Apartamento no Flat Alvorada, DF, de R$ 100 mil;
4) Casa na Barra de S Miguel de R$ 350 mil.
E SÓ.
Você não declarou nenhuma fazenda, nem uma cabeça de gado!
Sem levar em conta que seu apartamento no Edifício Tartana vale, na realidade,
mais de R$1 milhão, e sua casa na Barra de São Miguel, comprada de um
comerciante farmacêutico, vale mais de R$ 2.000.000. Só aí, Renan, você DECLARA
POSSUIR UM PATRIMôNIO DE CERCA DE R$ 5.000.000.
Se você, em 24 anos de mandato, ganhou BRUTOS, R$ 2 milhôes,
como comprou o resto? E as fazendas, e as rádios, tudo em nome de laranjas? Que
herança moral você deixa para seus descendentes?
Você vai entrar na história de Alagoas como um político
desonesto, sem escrúpulos e que trai até a família. Tem certeza de que vale a
pena? Uma vez, há poucos anos, perguntei a você como estava o maior
latifundiário de Murici. E você respondeu: "Não tenho uma só tarefa de
terra. A vocação de agricultor da família é o Olavinho." É verdade,
especialmente no verde das mesas de pôquer!
O Brasil inteiro, em sua maioria, pede a sua cassação.
Dificilmente você será condenado. Em Brasília, são quase todos cúmplices. Mas
olhe no rosto das pessoas na rua, leia direito o que elas pensam, sinta o
desprezo que os alagoanos de bem sentem por você e seu comportamento desonesto
e mentiroso. Hoje perguntado, o povo fecharia o Congresso. Por causa de gente
como você!
Por favor, divulgue esta minha carta para o Brasil inteiro,
para ver se o Congresso cria vergonha na cara.
Os alagoanos agradecem.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário