Um de seus
volumes de contos, O desterro dos mortos
(2001), apresenta doze histórias
revestidas de calor humano, que oferecem uma leitura prazerosa, pontuada com
uma linguagem simples e plena de camadas líricas no seu conteúdo “Nhô Guimarães”, a primeira delas, embrião do romance homônimo, conta a
história de “um homem de sobejas
importâncias. Um distinto doutor, do sertão e da cidade, duas vezes lugareiro,
muito conhecedor das estradas gerais.”
Fica visível que a narrativa, de apelos aos falares da gente rural no
interior mineiro, retrabalhada em sua entonação cantante, foi motivada pelo propósito de homenagear
o estupendo escritor e ficcionista
Guimarães Rosa. A figura do escritor mineiro vai sendo erguida pouco a pouco
com sua humanidade no texto que flui com
sabores na fala, usando para isso o contista das lembranças e entretantos que afloram do personagem Manu
e sua mulher, além dos amigos do homenageado. As histórias “O sorriso da
estrela”, “O avô e o rio” e “Jaú dos Bois”
reaparecem em O desterro dos
mortos, vindas do pequeno volume Jaú dos bois e outros contos.
Não é preciso
ser íntimo das questões estéticas, crítico com
formação acadêmica, para perceber que os contos de Aleilton Fonseca
possuem como singularidades a marca da simplicidade na escrita para externar a
emoção, qualidades que se aderem ao
texto infiltradas de esperança e ternura. Essa relação inseparável entre o discurso
simples, sem experimentalismos, penetrado de afetividades, é
posta com sabedoria pelo
contista na escrita para que se faça a
leitura da vida tocada com rapidez e visibilidade, impregnada de emoção causada
pela cena.
Na relação inseparável de que se vive e
morre, sempre, aflições e solidões são
ultrapassadas, ternuras nos ritos de passagem informam como as estações amadurecem a infância, existem noutras terras conduzidas pela morte sob o peso do enigma. Histórias urdidas pela chama do amor em
adolescentes irrompem para o voo
de anjos terrenos alçados às nuvens, paixões de adultos resvalam por entre fissuras e rupturas em
suas verdades pungentes, impondo a separação amarga sem volta.
Afirma-se
que literatura é a matéria verbal que expõe
uma experiência de vida. Esse conceito ajusta-se aos contos de Aleilton
Fonseca de maneira eficaz e sóbria. Em O
desterro dos mortos, a matéria verbal disposta para dizer do imaginário configura significados
colhidos através de uma experiência
colhida pelo contista no teatro da vida. Expressa histórias que nos remetem ao real
imaginado, em alguns momentos com
sensações semelhantes a que se tem nos contos tradicionais de reis, tanto é
o encantamento provindo do estado
psicológico dos personagens, o surgimento da paz no final sempre bem
achado, indicativo de uma janela que se abre para a
luminosidade da vida.
De outro viés, entre a dor e o amor, a paz que irá emergir
de momentos agudos mostra como a vida é um sofrido aprendizado.
O personagem depara-se com as incompreensões absurdas da morte, como é
visto nos contos “O sorriso da estrela”, “Para sempre” e “O
desterro dos mortos”, nas relações
passionais que atritam e
separam, na fumaça que ativa a doce
lembrança da infância, para que saiba quanto
a dor é capaz de reverter momentos contrários em sonos serenos
sob luares de relva.
Nota-se que o
instrumental teórico de base acadêmica não interfere na luminosidade que se
espraia nas criações do contista. Não força
a prosa que apresenta
maneiras suaves de horizontes
longínquos e próximos em seu dizer cativante.
Há um modo sempre oportuno
de o contista dizer o drama, uma solidariedade que dignifica o comportamento
marcado para designar os quadros da morte, da solidão que o tempo impõe em rigor de atitude que
comanda.
Vale ressaltar que
uma harmonia, a porejar sensibilidades e
cargas emotivas na escrita, decorre de
situações vividas pelo personagem sob o choque das descobertas,
relevâncias existenciais, cortes extraídos
no difícil gesto de viver. Olhares lançados pelo contista sobre os personagens buscam desvendar
para o mundo estados interiores, incompreensões do tangível e do que não
se explica, aclarar a situação
conflituosa no drama. Como conversa ao
pé do ouvido puxa o leitor para dentro do texto, remetendo-se ao contista Machado de Assis, mestre nessa atitude de aproximar a história de quem a lê para assim torná-la mais verossímil
na sua dinâmica.
O contista
sabe dosar com medidas certas o necessário para que o leitor seja
envolvido com ternuras e esperanças no
assunto crítico vivido pelo personagem.
Em suas reações tristes,
situações de tormento, o personagem desterra pensamentos quando se vê com dificuldade
para entender a vida. Certa
melodia, que acompanha a altura do
ritmo, a intensidade e a dimensão
dos gestos, em perfeito equilíbrio
enquanto duram no texto, não dá chance
para que o vulgar e a pieguice
descaracterizem a escrita conduzida com
simplicidade e emoção.
O proseado
que escorre do discurso enunciado com afetividades contagia no seu ritmo, torna o leitor
íntimo da problemática existencial do indivíduo. Na escrita
apoiada em medidas rítmicas harmoniosas,
os significados e significantes formam unidades cadenciadas pelos toques poéticos da vida sob os olhares
líricos do narrador. Cenas marcadas de controvérsias, contrapontos dos conflitos são
construídos com pausas e respirações, breves e oportunas, para evitar
que o vulgar nos fluxos e refluxos circule nas zonas do coração.
As
histórias de Aleilton Fonseca fornecem a
sensação de que entram pelos ouvidos e ficam com seriedade ritmadas dentro de nós sob puro
lirismo. Assim são construídas
com seus tremores e amores, como
feixes acesos de humanidades múltiplas
determinam simpatia entre o real e o sonho. Não precisam de questionamentos
profundos nas razões de ser dos outros no mundo, e porque dotadas de puro lirismo simplesmente o coração as aceita, pulsam
amores em atitudes e sentimentos.
Referência
FONSECA, Aleilton. O desterro dos mortos, contos, Relume
Dumará, Rio de Janeiro, 2001.
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*Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Autor de 48 livros
pessoais. É também editado no exterior. Membro efetivo da Academia de Letras da
Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e
México.
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