Brasileiro Monteiro Lobato
Cyro de Mattos
Descobri os livros na estante de seu Zeca Freire, o
farmacêutico, homem atencioso e de bons préstimos. Era o dono da Farmácia
Popular, localizada na rua do comércio. Notei que a biblioteca dele tinha livros
grandes e pequenos, grossos e finos. Estavam arrumados nas prateleiras de um
armário, que ocupava mais da metade da parede do gabinete. Gostava de ficar ali
no gabinete do Seu Zeca Freire quando ia encontrar com o amigo Duda, um de seus
filhos. Meus olhos curiosos examinavam o título e o nome do autor na lombada de
cada volume.
Foi lá que vi pela primeira vez os nomes de Monteiro Lobato,
Érico Veríssimo, Humberto de Campos, Machado de Assis, José de Alencar, Paulo
Setúbal e Jorge Amado. Foi lá também que o pai do meu amigo perguntou-me se eu
já tinha lido algum livro de escritor brasileiro. Respondi que não, pois até
aquele momento só tinha lido revistas em quadrinhos, que os meninos de meu
tempo chamavam gibi e guri. Além disso, conhecia apenas poucos trechos do
romance Quincas Borba, de Machado de Assis, no trabalho de análise lógica
que a professora de português passou para os alunos na classe do primeiro ano
ginasial.
Ele perguntou depois se eu não queria conhecer um livro de
Monteiro Lobato, autor que escrevia muito bem para as crianças, os jovens e os
adultos. Não era um livro grande o que ele queria que eu lesse. Aconselhou que
eu fosse lendo sem pressa. Se gostasse, fosse lendo outros livros daquele autor
que nunca tinha ouvido falar. Então primeiro li Reinações de
Narizinho, livro que dava início à saga do Pica-Pau Amarelo, o sítio de
Dona Benta, onde reinava a menina do nariz arrebitado, Pedrinho, Emília, a
terrível boneca, e outros personagens.
Reinações de Narizinho puxou-me para a leitura de
outros livros de Monteiro Lobato. Como acontecera com o primeiro livro,
li As Caçadas de Pedrinho sem tirar os olhos das cenas que me
davam prazer, de tão divertidas e bem inventadas. Vibrei com as aventuras de
Pedrinho, que saiu vitorioso na caçada de uma onça, como também no ataque
que outros animais fizeram ao sítio de Dona Benta.
Aí não parei mais. Fui conhecendo, de livro para livro, um
mundo maravilhoso criado por aquele escritor, que impressionava quando
compartilhava uma grande quantidade de cenas vividas por personagens que
habitavam um território feito de façanhas e mágicos sonhos.
Íntegra e verdadeira, pura curtição da garotada até hoje, a
obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural brasileiro. Cabe
aos professores orientar os alunos no desenvolvimento de uma leitura
crítica. Se há quem se refira, no livro desse escritor brasileiro, à tia
Anastácia como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela. Não se trata
de um insulto, essa era a realidade dos afrodescendentes no Brasil dessa época.
Uma triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica.
Vale lembrar que, a partir da leitura de suas obras,
gerações de escritores brasileiros viram despertar sua vocação e sentiram-se
destinados, cada um com a sua voz, a repetir seu mesmo destino.
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