26 de agosto de 2018
♦ Plinio
Corrêa de Oliveira
O canto singelo de uma avezinha inspirou a aplicar-lhe
o nome de bem-te-vi. Ele pode se manter isolado no topo de uma árvore, como se
fosse um detetive tentando resolver um mistério. Dá a impressão de não estar
procurando nada, mas de repente brada sua vitória: Bem-te-vi! Bem-te-vi!
Quando os bem-te-vis se encontram em bandos, multiplicam-se
os gorjeios alegres, em vozes um tanto desconexas.
Em ambos os casos, o bem-te-vi tem o seu papel. Na ordem do
universo criado por Deus, representa o transbordamento da alegria pelo simples
fato de existir. Ele saltita, voa, movimenta-se, bate suas asas ao sol; e
depois descansa, alegre por existir. Quando nos parece sossegado, ele já previu
outras alegrias e sai voando. O instinto o leva a se alegrar e desdobrar-se,
proclamando o que há de bom em viver.
No seu gracioso brado aparentemente inútil, o bem-te-vi
presta grande serviço à Providência. Lembra-nos a virtude da vigilância, pois é
preciso prestar atenção em todas as coisas. A ufania com que proclama bem-te-vi é
como se dissesse: “Eu venci algo em mim, quando consegui ver-te, e seria tolo
se não tivesse visto”. Bem-te-vi, portanto, é um brado de vitória.
Lembra-nos também as virtudes da prudência, sagacidade, desconfiança, como quem
adverte: eu te vi bem! Mais ainda, lembra que há um olhar divino pousando sobre
cada homem. Quando alguém se esquece do olhar divino, e se aproxima do pecado,
pode funcionar como a voz da consciência dando o alerta: “cuidado,
pois bem-te-vi!”.
Coisas simples da vida, corriqueiras e elementares, mostram
o prazer quotidiano da existência. Para quem sabe viver, tem grande valor esse
prazer, pois trata-se de um magnífico dom de Deus. Na sua inocência primeira,
uma criança não passa de um “bem-te-vizinho”, que se alegra pela alegria de
viver. Para as coisas de que gosta, ela se abre em um “sorriso bem-te-vi” e
estende a mão para pegá-las: uma bola, um chocolate, uma bala, um bonequinho. O
mesmo se repete quando olha para a feição afetuosa da mãe, para a fisionomia
séria e forte do pai, para o irmãozinho tão parecido com ela.
O semelhante se alegra com o semelhante (similis simili
gaudet), como ensina São Tomás de Aquino. Uma criança que corre para outra
alegremente tem uma alegria que realiza esse princípio filosófico. São dois
semelhantes que se encontraram, por isso se alegram. Mesmo sem nenhuma noção de
filosofia, assim vivem e assim se alegram, pois aplicam um princípio da ordem
universal através do instinto e do afeto. É a primeira etapa da vida:
desanuviada, brilhante, tão cheia de recordações de toda ordem.
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa
de Oliveira em 16 de julho de 1983. Esta transcrição não passou pela revisão do
autor.
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