Poeta em são Paulo:
Álvaro Alves de Faria
Cyro de Mattos
Da “Geração 60” dos poetas de São Paulo, Álvaro Alves de
Faria é o único que circula por diversas escritas literárias. Publicou
romances, novelas, ensaios e peças teatrais encenadas em várias capitais
brasileiras. Organizou antologias e praticou o jornalismo literário, que lhe
rendeu o Prêmio Jabuti de Imprensa por duas vezes, em 1976 e 1983.
Ao fazer o lançamento de O Sermão do Viaduto, no Viaduto do
Chá, na capital paulista, durante noves recitais, que lhe deram cinco detenções, até que foram proibidos pelo
DOPS por motivos políticos, sob a alegação de que realizava manifestações
subversivas, o poeta Álvaro Alves de Faria instalava um comportamento poético
diferente do que se estava acostumado a ver nos meios culturais de São Paulo. A
geração antecedente de poetas vinha aprisionando a vida nas torres da arte.
Outros grupos daquela época demitiam da poesia a intuição, propondo uma sintaxe
visual com o mínimo de palavras e a valorização do espaço em branco na elaboração do poema. Ao reduzirem o conteúdo à estrutura visual do
poema, suscitavam dúvidas quanto à sua
fecundação: a repetição de uma só palavra gerava ausência de criatividade,
derivando para um automatismo que desligava a linguagem das matrizes
perspectivistas, carregada de símbolos e conotações no discurso imanente.
Qual profeta moderno, o poeta revolucionário recorria ao sermão para atar as pontas da
vida e da poesia nas grandes e desertas
planícies. Manipulava a metáfora, a alegoria e a parábola na via pública
até perder-se na noção de sua altura, exatamente naquele ponto no qual se busca reencontrar uma morada antiga. Seus versos cheios de
verdade compareciam na paisagem de
incertezas sob o tom luminoso para resistir
aos rumores e tremores do abismo. Com uma dicção bíblica feita de
imagens corajosas, sábias, enfrentava o
poeta visionário a ordem política
atemorizadora, que bania o amor, galopava nas trevas, como se a solidariedade
fosse coisa inútil e o absurdo do déspota, a única tecla. A voz de uma beleza
profunda propagava-se no intuito de iluminar de esperança os desertos.
Repercutia com seu ramo de luz no tema da pobreza e da criatura indefesa. Do coração sensitivo do
poeta atuante ofertava-se o trigo vindo dos longes comovidos para os sem voz
num campo de mágoas.
Já em 20 Poemas Quase
Líricos e Algumas Canções para Coimbra, o poeta do sermão no Viaduto do Chá
conduz o coração para o transe lírico da memória. A forma do poema, o ritmo que
flui do dizer poético reiterativo sobre seres e coisas aderem ao fluxo lírico de forte teor emotivo.
O coração acordado do poeta pulsando no presente fere a “memória da memória”, assinala a ensaísta portuguesa Graça
Capinha., da Universidade de Coimbra.
Atravessa lugares do imaginário e do real na medida em que a viagem
inexplicável vai sendo empreendida pelos caminhos do tempo. O coração do
andante solitário transpira momentos que lhe são caros, e a memória veste-se
de imagens com passagens puras e
ardentes. Situações que chegam de
rostos, sombras, lugares
superpostos liberados do subconsciente,
coabitam no poeta, trazendo daquela zona suspensa do azul o tempo que perdura no afeto.
A emoção do poeta cresce nas gradações do amor que a cidade
revela nas ruas, becos, ofícios que afloram de outras idades, degraus que não
têm fim, telhados acumulados de ausência, janelas fechadas, portas que não se abrem. Circula nas alusões aos poetas nos cafés,
resvala no efêmero ante o eterno que desce no rio Mondego. Oscila entre memória e coração avivando as paragens dos antepassados, o pai nasceu em
Lobito, Angola, a mãe em Famalicão, Portugal.
A memória aflora do que há de mais amoroso, o coração pulsa candente no que há de mais sensível e
essencial. No encontro agitado da sensibilidade produzem uma poesia palpitante nas fissuras cósmicas,
pendendo de remotas raízes portuguesas.
Permanente registro de atração por uma cidade que o chama, o
poeta em densidade lírica a atravessa no olhar e se deixa invadir de impressões,
ilusões, visões doloridas de secreto caminhar, através de sustos que não se
decifram, porejando ternuras no imaginário
que delira. E, do ardor no sermão em viaduto, no fluxo mediúnico que
verte o comportamento da linguagem inserida no discurso, ao soluço lúcido do caminhante solitário, faz
e refaz andanças do mesmo todo, tentando
compreender determinada realidade escamoteada sob a máscara do que foi e no que
é visto com suas verdades essenciais. De
qualquer modo, travessia.
*Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro efetivo da
Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa pela Universidade
Estadual de Santa Cruz (Bahia). Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.
Tem livro publicado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca.
Conquistou o Segundo Lugar do Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro , duas vezes, em Gênova, Itália, o Afonso Arinos da Academia Brasileira de
Letras, o da Associação Paulista de
Críticos de Arte e o Prêmio Nacional
Pen Clube do Brasil. O texto “Poeta em
São Paulo: Álvaro Alves de Faria” pertence ao livro A Leitura Lembrada,
ensaios, em andamento.
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