No mundo atual, onde a nova ordem é o consumo, os editores
se comportam como gerentes de contas e forçam a literatura a deixar de ser arte
para se transformar numa grande feira. Os livros não são vendidos a preço de
banana, mas passam a ser expostos como produtos vulgares, com capas atraentes
aos olhos, mas de conteúdo duvidoso. Nem autores clássicos, como Machado de
Assis, escapam à sanha do lucro e recebem "traduções" suspeitas na
intenção de se tornarem populares. Ou seja, o mercado editorial subestima seus
leitores e nivela a cultura por baixo.
Recentemente discutiu-se tanto a popularização dos textos de
Machado de Assis que quase alcançamos um tom clichê. A ideia de reimprimir a
obra de Machado objetivando a imposição de um vocabulário simplório, que esteja
ao alcance do público menos letrado, é somente um reflexo de uma literatura
contemporânea açoitada pelas mãos de editoras que escolheram transformar a arte
em cifras lucrativas. Recentemente, a escritora Nélida Piñon afirmou que hoje
publicam o que vende, e não mais a literatura que fica. Está corretíssima. E
qual a literatura que demonstra capacidade de mercadoria no Brasil? São os
livros sobre vampiros brasileiros, ficções medievais encarnadas por anjos e
demônios, violência sádica e caricata e romances sobre nada que correm centenas
de páginas descrevendo litorais e personagens sem sal.
O que surpreende é a complacência cúmplice de muitos
críticos com a subliteratura e uma raiva revanchista contra quem imagina poder
atualizar um clássico literário. O Word, a Internet e o analfabetismo funcional
do Brasil abriram espaço para pretensos escritores que produzem em ritmo
industrial, mas pouco se importam com estética, pois estão voltados para os
quinze minutos de fama e buscam o eldorado que os tornem best-sellers. Às
vezes, contam com competentes empresários que abrem as portas da mídia e
transformam o que é oco em celebridade, pois no mercado atual é a celebridade
que vende. Tal realidade nos remete ao arquétipo explicitado no filme "Muito
além do jardim", onde até um suspiro do acéfalo personagem Chance (Peter
Sellers) era interpretado como genial.
Por que hostilizar a tradução populista de Machado e ignorar
os nichos literários criados compostos de livros caricatos, lançados para
conquistar jovens e limitados leitores? Essa é uma discussão que poderia ganhar
amplitude inteligente e está se resumindo a um debate provinciano.
Toda literatura é válida, mas as que devem ganhar
visibilidade são aquelas que os editores compreendem como comerciais. É assim
que se configura o presente mercado editorial brasileiro. O autor a ser
valorizado é o que se comporta como um bom gerente de contas e cumpre boas
metas de venda com o seu produto. É esse o autor que as editoras inserem na
mídia, para eles negociam a condescendência de uma parte da crítica e a partir
deles criam a farsa do merchandising.
Numa nação de leitores toscos, Machado de Assis precisa ser
reescrito para vender e os autores de sucesso desfilam a face mais pueril de
uma literatura vulgar em programas de entrevistas e nos cadernos culturais dos
nossos periódicos. Talvez, tenha sido por isso que o nosso Machado elaborou
aquela sentença magnífica de Brás Cubas, um ato profético:
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado
da nossa miséria”.
Assim, nossos clássicos vão ficando sem herdeiros e, pelo
visto, se transformando em hieróglifos a serem decifrados.
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ALEXANDRE
COSLEI - Jornalista, professor e escritor
premiado. Autor dos livros "Os Paralelepípedos da Vila Mimosa”, que
participou do Prêmio Portugal Telecom 2010, além de um volume crítico
intitulado "Os indigentes literários", uma reunião de artigos sobre
literatura contemporânea que autor classifica como subversivos. Também figura
em diversas antologias de contos e poesias. Complementando seu acervo, possui
inúmeros artigos publicados em importantes veículos virtuais como o Jornal O
Dia, Observatório de Imprensa, Folha do Meio Norte e em diversos Blogs
relevantes. Alguns desses artigos foram recordistas de visualizações nos sites
onde foram divulgados ou republicados. Está entre os primeiros autores que
serviram de base para a criação da revista literária "Verbo", hoje
não mais impressa. Como jornalista, está presente em diversas publicações
polêmicas na imprensa.
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