Morto aos 79, escritor tinha visão de mundo pautada pela
contradição estrutural da vida
28.dez.2018
Luiz Felipe Pondé
A primeira vez que conheci Amós Oz foi no kibbutz Hulda em
Israel, no início dos anos 1980, para onde ele foi, muito jovem, para “buscar a
si mesmo”.
Em meados dos anos 1990, conversamos de novo por ocasião do
bar mitzvá do meu filho, assunto que ele levava muito a sério.
Em 1999, encontrei-o mais uma vez, para entrevistá-lo para a
Folha. As tradições judaicas e a história de Israel eram dois temas de suma
importância para ele —e que viriam a marcar profundamente sua obra, muito vasta
e diversificada. 10 16 Amos Oz
Retrato do escritor, ativista e pacifista israelense Amos Oz
em 2011, quando veio ao Brasil para conferências no Rio e em São Paulo, pelos
25 anos da Companhia das Letras.
Tenho em minha memória seu temperamento israelense de forma
muito clara, doce e duro ao mesmo tempo, como a fruta típica de Israel sabra,
nome dado a quem lá nasce, com casca espinhosa por fora e muito doce por
dentro.
Oz costumava dizer que quando tinha certezas escrevia textos
políticos; quando não tinha (a maior parte do tempo), escrevia ficção. Sua
visão de mundo era pautada pela contradição estrutural da vida, pela sede de
doçura que todos temos e pela luta em favor dos compromissos em todos os níveis
da vida, afetiva, espiritual, social e política. Nessa chave ele via o
interminável conflito entre Israel e palestinos.
Em 2002, Oz escreve “De Amor e Trevas”, filmado em 2015 pela
atriz israelense Natalie Portman. Na obra autobiográfica, Oz narra o destino
trágico da mãe suicida, e como ele romperá com o passado, a fim de “construir a
si mesmo”.
Na narrativa, ele reflete sobre o caráter judaico como
condenado a uma diáspora contínua, externa e interna, e o conflito israelense
atual como parte dessa história muito antiga dos judeus, de não encontrar paz
em lugar nenhum. É nesse processo de busca de si mesmo que Oz acabará por viver
no kibbutz Hulda.
Em 2006, ele lança “Como Curar um Fanático”, obra de ensaios
que recebeu edições posteriores, assimilando o drama do terrorismo islâmico
mais recente. A posição de Oz nessa obra é muito clara: não há paz se as partes
cederem a um convívio não pautado pelo “amor mútuo”, mas pela decisão de se
comprometerem a tolerar a existência do outro.
Além do tema do compromisso, Oz aqui também enunciará sua
máxima (aliás, muito judaica) de que uma das melhores formas de lidar com um
fanático é usar de ironia e humor com ele, porque o fanático sofre por se levar
muito a sério.
Em 2012, escreve junto com sua filha Fania Oz-Salzberger “Os
Judeus e as Palavras”, livro em que os autores descrevem a condição judaica
como um povo que vive nas palavras, não em algum “lugar físico”, mas nos
espaços semânticos diversos entre o infinito de significados que os livros
sagrados judaicos carregam ao longo do tempo. Um povo, por excelência,
hermenêutico.
Já em 2014, com “Judas”, Oz “escolhe” o personagem Judas do
Novo Testamento como referência para pensar o lugar dos judeus em relação ao
outro: o lugar da contradição e do conflito.
Certa vez, Oz me disse que só Deus é único, o resto é sempre
múltiplo. Não há como escapar dessa multiplicidade e desse compromisso com ela.
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