Saíra
cedo, muito cedo, ao romper do dia, trinando alegremente pelo espaço de fora,
caminho da mata, onde ia buscar alimentos para os filhinhos.
E partira
despreocupadamente, naquela formosa manhã de primavera, quando o sol começava a
iluminar a terra, espalhando suaves e
doces reflexos de luz na relva dos caminhos e por sobre a verde folhagem dos
arvoredos, onde se dependuravam prenhes de cintilações prismáticas, as gotas de
orvalho, as brilhantes lágrimas da madrugada.
Os
camponeses dirigiam-se para o trabalho, ferramenta ao ombro, entoando uma
cantiga simples, repassada de tons bucólicos, fresca e alegre.
Ouvia-se o
balir das ovelhinhas, o mugir prolongado do gado nos currais, de onde se
levanta um vapor enfumaçado, bom e sadio, sadio e agradável, que tonificava os
pulmões e a todos dava um grande bem
estar.
Os carros
de bois chiavam cadencialmente pelos caminhos, em demanda das roças, onde iam
carregar-se dos produtos das colheitas.
Das
árvores do pomar e do centro da mata virgem partia o trinar da passarada e o
canto sonoro e distinto do inhambu a reboar ruidosamente pelo ar...
Ouvia-se todo esse ruído poético que
anuncia a vida do campo ao amanhecer.
E ela que
partira tão cedo em busca de alimento para os filhinhos, não adivinhara talvez
que se ia separar para sempre deles, naquele dia tão azul e tão cheio de luz.
Dirigira-se para a entrada da mata, e ali, descuidosamente, revolvia a
terra úmida, os pequenos seixos e gravetos que encontrava pelo chão, as folhas
secas e orvalhadas...
Súbito
ouviu-se um estampido...
Rápido,
abriu ela as asas, distendeu-as, pretendendo alçar o voo, procurando fugir.
Fora,
porém, certeira, a pontaria do bárbaro caçador. Mas, lembrando-se dos filhotes,
ela, ferida, quase agonizante, fez um supremo esforço um esforço heroico de que
só as mães são capazes e... Voou.
Recordando
o azul em voo incerto, caindo aqui, depois levantando-se acolá, correndo por
entre os espinheiros para voar de novo, atravessando com dificuldade os moitais
ou as touceiras de capim, uns felpudos, outros cortantes, foi cair por fim
exânime ao lado do ninho – uma laranjeira copada no centro do pomar, coberta de
flores e de orvalho, dourada pelo sol. Os filhotes, num pipio triste e
desesperado, viram a carinhosa mãe com as penas empastadas de sangue, o peito
arfando, os olhos semicerrados, cheios de terra como um cristal embaciado, já
sem luz, - viram-na exalar o último suspiro, entreabrindo o pequeno bico de
onde caíram alguns vermes e insetos – o alimento que fora buscar para eles,
para a sua prole estremecida.
... No dia
seguinte cedo, muito cedo, logo ao romper do dia, quando o sol começava de
iluminar a terra espalhando suaves e doces reflexos de luz na relva dos
caminhos, as avezinhas implumes foram encontradas frias, inteiriçadas, no
pequeno ninho de filamentos de capim e penugens brancas e acinzentadas da
laranjeira copada no centro do pomar.
E do fundo
da mata virgem partia o trinar da passarada, o chilrear dos pequenos
passarinhos e o canto sonoro e distinto do inhambu a voar ruidosamente pelo ar.
Ao longe,
na quebrada dos caminhos orvalhados,
chiavam os carros de bois, ouvia-se a cantiga simples, alegre e fresca
dos aldeões e o balido das ovelhas e o mugir prolongado do gado nos currais...
(LÍNGUA PORTUGUESA
Luso=Brasileira
ANTOLOGIA F. T. D. – livro de leitura
Organizado por Mário Bachelet)
LIVRARIA FRANCISCO ALVES
1944
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Tancredo do Amaral - nasceu na cidade de São Paulo em 18 de
fevereiro de 1866. Era filho do Comendador Manuel Leite do Amaral e de Dona
Josefa Gaudie Leroy do Amaral. Escreveu
diversos livros didáticos, entre os quais O Livro das Escolas, Geografia
Elementar, História de São Paulo ensinada pela biografia de seus vultos mais
notáveis e O Estado de São Paulo, todos aprovados oficialmente e
adotados nas escolas públicas. Tancredo foi ainda nomeado Inspetor Escolar, chegando
a ser interinamente Diretor Geral da Instrução Pública do Estado.
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