11 de novembro de 2018
O Papa Pio XII atribui a Maria Santíssima “a maior dignidade
e santidade depois de Cristo”
♦ Luiz
Sergio Solimeo
O que vem a ser “uma moça de hoje”? Aquela que está em
sintonia com o mundo paganizado e hedonista de nossos dias? A que segue as
modas imorais e masculinizadas de hoje? Uma feminista que não tolera a menor
diferença entre os sexos? A frase é extremamente ambígua, como é do seu estilo.
Ele explica o que entende por “normalidade”: “A
normalidade consiste em viver no povo e como o povo”. Parece encontrar-se aí a
chave para entender essa minimização da figura da Mãe de Deus, nitidamente
impregnada do igualitarismo marxista presente na “Teologia da Libertação”.
Pecado de elite
Quando uma pessoa ou uma família se destaca por dons de
liderança, tino administrativo, fortuna, capacidade intelectual ou artística, e
mesmo espiritual, ela se torna pessoa ou família “de elite”. Ora, segundo o
Papa Francisco, isso significa incorrer no “pecado máximo”, aquele que mais
agrada a Satanás: o “pecado de ser elite”. São transcritas como palavras do
ocupante da Cátedra de Pedro: o pecado que “agrada tanto a Satanás” é “o
pecado da elite” […]. “A elite não sabe o que significa viver no povo, e quando
falo de elite não entendo uma classe social: falo de uma postura da alma”.
O sabor marxista da afirmação é seguido, portanto, de uma
ressalva: o “pecado de elite” seria “uma postura da alma”. Mas
a descrição que ele acabara de dar desse novo pecado é de molde
sociológico: “não sabe o que significa viver no povo”. Como sempre,
conceitos vagos, desconexos, tornando suas frases confusas e de difícil
compreensão.
A consequência dessa série de afirmações confusas é que, ao
tomar a categoria “povo” — entendido no sentido igualitário que o Papa Pio XII
qualificava como massa2 — e atribuir a essa categoria um valor moral
absoluto, ele está tirando uma conclusão teológica com base em uma
interpretação sociológica marxista de povo, no mais puro estilo da “Teologia da
Libertação”. Daí a nova eclesiologia igualitária de sabor marxista: “A
Igreja é povo, o povo de Deus. E ao diabo agradam as elites”. Fica implícito
que quem cometesse o tal “pecado de elite” deixaria de pertencer à Igreja, por
não “viver no povo e como o povo”. Por isso não agradaria a Deus, mas
ao demônio.
O atual Pontífice não afasta dos Sacramentos, nem de sua
amizade e companhia, os adúlteros, homossexuais praticantes, transgêneros,3 portanto
é muito paradoxal essa “excomunhão” dos que ele considera na situação de
“pecado de elite”.
A consequência lógica dessa eclesiologia igualitária é uma
nova mariologia antielitista. Maria Santíssima não poderia elevar-se acima das
demais criaturas, pois assim se tornaria “elite”, portanto deixaria de “viver
no povo e como o povo”. Em vez de agradar a Deus, agradaria ao demônio!
Para o Papa Francisco, nada de excepcional ocorreu na vida de Maria
Santíssima: “Depois, após a concepção de Jesus, ainda uma mulher normal.
[…] Nada de extraordinário na sua vida”. Ser a Mãe de Deus, conviver com seu
Divino Filho e com São José, acompanhar a pregação de Jesus, interceder junto a
Ele para o milagre nas Bodas de Caná, participar de sua Paixão e Morte aos pés
da Cruz, não haveria nisso “nada de extraordinário”! Seria tudo “normal”!4 O
canto do “magnificat” corresponderia então a uma “postura de alma” elitista.
“Uma moça disposta a casar-se”
Dizer que Nossa Senhora era “uma moça […] disposta a
casar-se, a constituir uma família”, vai contra o sentir geral dos Santos
e dos Doutores, os quais sustentam que, quando se deu a Anunciação, Maria já
tinha feito voto de castidade perfeita. É o que deduzem da pergunta que Ela fez
ao Anjo Gabriel, depois de informada de que seria a Mãe de Deus: “Como se
fará isso, pois não conheço varão?”5
Explica o grande exegeta Cornélio a Lapide (+ 1637): “Porque
não conheço varão […]. Nenhuma outra justa razão para esta desculpa e hesitação
por parte da Virgem pode ser aduzida ou suposta aqui, senão a impossibilidade
moral resultante do voto que a Santíssima Virgem fez antes da anunciação
angélica: este é o ensinamento dos Santos Agostinho, Gregório de Nissa, Beda,
Bernardo, Anselmo, Ruperto”.6 Santo Agostinho, no livro De
virginitate, é inteiramente categórico: Maria não teria feito essa pergunta ao
Anjo, “a não ser que se tivesse consagrado a Deus como virgem”.7 São
Bernardo é igualmente claro em relação ao voto de virgindade feito por
Maria: “Ele [Deus] concedeu-lhe a maternidade, tendo antes lhe inspirado o
voto de virgindade, e a cumulado da virtude da humildade”.8
Negação implícita da divindade de Jesus
Como se pode afirmar que Maria, Mãe de Jesus Cristo, era
uma “ragazza normale, normale” (uma moça normal, normal), “una
ragazza di oggi” (uma moça de hoje), una “donna normale” (uma
senhora normal), e não tinha nada de extraordinário em sua vida? Como
poderia “una ragazza normale”, “una ragazza di oggi”, que em nada se
destacasse das demais, ter um filho como o próprio Verbo Encarnado? Não seria
esta uma negação implícita de que seu Filho fosse Deus? Se Ela fosse
inteiramente comum, seu Filho também o seria. Portanto, não se pode considerar
a Santíssima Virgem como uma mulher comum, preocupada com coisas corriqueiras
da vida.
Maria Santíssima é a obra-prima da Criação. Tendo sido
escolhida por Deus para ser a Mãe do Redentor, foi preservada de toda mancha ou
pecado, sendo Imaculada desde o seu primeiro instante, como diz Pio IX.9 Ela
é a Theotokos (Mãe de Deus), como definiu o Concílio de Éfeso. Diz o
Papa Pio XII que não pode haver ofício maior do que esse, pois ele “pede a
plenitude da graça Divina”, portanto confere “a maior dignidade e
santidade depois de Cristo”.10
Os Padres da Igreja, os Santos Doutores, os Sumos
Pontífices, sempre A consideraram um “vaso de eleição”. Abismados diante
de tanta perfeição, santidade e dignidade, exclamavam “de Maria nunquam
satis” — de Maria nunca diremos o suficiente, nunca saberemos o
suficiente. Por mais que A contemplemos, por mais que estudemos seus
privilégios, muito ainda restará por conhecer e por dizer.
Ao referir-se à Mãe de Deus como uma mulher comum, “normal”,
o Papa Francisco rompe com essa tradição e contraria o sentido dos Evangelhos.
Contradiz ainda a forma lapidar do Papa Pio XII, acima apresentada, que atribui
a Maria Santíssima “a maior dignidade e santidade depois de Cristo”.
Gloriosa Senhora, exaltada sobre as estrelas
Bem outro é o sentimento geral dos fiéis. A tradição
teológica católica e a Liturgia assim louvam a Virgem Santíssima no Breviário
Romano:
Ó gloriosa Senhora do mundo,
Excelsa princesa do céu e da terra,
Formosa batalha de paz e de guerra,
Da santa Trindade segredo profundo
Santa esperança, ó Mãe de amor,
Ama discreta do Filho de Deus,
Filha e Mãe do Senhor dos Céus[…]
Do que Eva triste ao mundo tirou
Foi o teu fruto restituidor;
Dizendo-te Ave o embaixador,
O nome de Eva te significou.
Ó porta dos paços do mui alto Rei,
Câmara cheia do Espírito Santo,
Janela radiosa de resplendor tanto,
E tanto zelosa da divina lei!
Ó mar de ciência, a tua humildade
O que foi, senão porta do céu estrelado?
____________
Notas:
1. Papa Francesco: “La Chiesa è popolo, l’élite il peccato”,https://www.corriere.it/cronache/18_ottobre_07/papa-francesco-chiesa-popolo-elite-peccato-2ab8a8ce-ca64-11e8-8417-701d201b7018.shtml,
Out. 18, 2018.
2. Cf. Radiomessaggio di Sua Santità Pio XII ai Popoli del
Mondo Intero* Domenica, 24 dicembre l944,http://w2.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1944/documents/hf_p-xii_spe_19441224_natale.html,
Out. 18, 2018.
3. Pope Francis met with a same-sex couple the day before he
met with Kim Davis,By Sarah
Pulliam Bailey and Michelle
Boorstein, October 2, 2015, https://www.washingtonpost.com/news/acts-of-faith/wp/2015/10/02/pope-francis-reportedly-met-with-a-same-sex-couple-the-day-before-he-met-with-kim-davis/?utm_term=.e09a243c7349,
Out. 18, 2018.
4. O Papa usa a palavra strano. Um dicionário de italiano
online apresenta os seguintes sinônimos para strano(plural feminino,strane):
1 stravagante, insolito, 2 poco comune, eccezionale, 3
misterioso. Dizionario Italiano, https://www.dizionario-italiano.it/dizionario-italiano.php?parola=strano,
Out. 19, 2018.
5. São Lucas 1, 34.
6. The Commentary of Cornelius a Lapide– Saint Luke Chapter
one, Loreto Publications, Fitzwilliam, New Hampshire, 2008, p. 158.
7. Of Holy Virginity, nº 4, http://www.newadvent.org/fathers/1310.htm,
Out. 18, 2018.
8. St. Bernard of Clairvaux (Sermo2: Opera omnia, Edit.
Cisterc. 5 [1968], https://www.crossroadsinitiative.com/media/articles/mary-a-virgin-full-of-grace-and-virtues-bernard-of-clairvaux/,
Out. 18, 2018.
9. Pope BI. Pius IX – 1854, Bull Ineffabilis Deus -The
Immaculate conception,http://www.papalencyclicals.net/pius09/p9ineff.htm,
Out. 18, 2018.
10. Pope Pious XII, Encyclical Fulgens Corona,nº 11, http://w2.vatican.va/content/pius-xii/en/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_08091953_fulgens-corona.html,
Outubro 18, 2018.
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