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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

PAPAGAIO FALSO


Historinha de Cyro de Mattos


            Papagaio esperto, falador sem igual, o dono gabava. Tinha o dom de adivinhar quando era tempo de chuva ou de estio. “Vai chover, vai chover!”, alardeava.  “O sol vai comer tudo, vai comer!”, praguejava. Lá vinha ele  agora  com o seu agouro sonoro, o dono do bicho  fazia uma cara de quem não gostara nem um pouco do que acabara de ouvir. O tempo de estio prolongado significava que a lavoura de pouca duração não vingava, a de duração perene definhava e produzia poucos frutos na safra. Isso não era bom para o fazendeiro Felisberto Boca Rica, senhor de muitas roças, que produziam à vontade no chão dadivoso um fruto que valia como ouro, chamado cacau, se o ano  fosse temperado com sol e chuva nas  estações estáveis.

          O fazendeiro Felisberto Boca Rica perdia-se de amores pelo papagaio. “Venha cá, louro, me dê o pé; quer comer hoje o quê? “ O papagaio respondia: “Como torta de carne, como doce de mamão, só não como requeijão.” Não havia dinheiro que  comprasse aquele bicho sabido e engraçado. Não tinha preço, nem a peso de ouro seria vendido um dia. Jurava por si com firmeza, com base na estima que tinha por ele. De boca cheia garantia também pela mulher e os dois filhos,  dois rapagões, em plena dinâmica de músculos e ímpetos. Um era  técnico agrícola, o outro, manobrista de trator e máquinas pesadas,  seus herdeiros legítimos. Se fosse para a alegria de todos,  bem-estar do bicho sabido,  ninguém se preocupasse, iria morrer de velhice, bem cuidado e alimentado do que mais gostasse.

           Eta bicho festeiro, fazia qualquer vivente virar a cara para o alegre de repente, que bom ser o dono dele, vangloriava-se. Quando estava zangado, pelo prejuízo que lhe rendera um negócio mal realizado, o melhor remédio  para desalojar  do íntimo o fel da vida  era ficar ouvindo seu  papagaio esperto imitar gente grande.  Nessa hora crítica, para espantar a crise, sem cobrar nada, o papagaio conseguia a proeza de fazê-lo sorrir, como se estivesse de bem com a vida. Soltava cada ensinamento, o bicho, que causava admiração: “Quem tem pressa tropeça. Bate a cara na pedra!”

           Na segunda-feira  imitava o diretor do colégio Licurino Felizardo, um conquistador de  menina nova, repetindo sem temer, “Licurino Felizardo, tarado! tarado!” Na  terça,  era a  vez do delegado Apolônio, frouxo como o cabo Teotônio, “na cadeia  não tem ladrão porque o Apolônio é cagão”, quem não quisesse ouvir tapasse o ouvido. Na quarta, coitado do padre Joca, o bicho não cansava de lembrar que  o mensageiro de Deus na missa das sete  se engasgou com a hóstia. Na quinta imitava o prefeito, ficava dando a ordem categórica: “Quem ganha mais do que eu aqui esteja preso!”  Na sexta  chamava de cara de mico o juiz  Frederico. Sábado se fazia passar de camelô, esteja a gosto, tudo barato, no miúdo e no grosso. Agora, se fazer de mágico no  domingo, no meio das serpentes, como quis uma vez o dono do circo, pagando um dinheiro grande por essa cena esquisita, não contasse com ele nem um tico.

               O fazendeiro Felisberto Boca Rica era um ferrenho adepto da luta patriótica  para que  o impeachment da presidente Dilma Rousseff fosse aprovado. Aquela mulher petista  não passava de uma simulada guerrilheira, pilantra, corrupta, mentirosa deslavada, estava afundando o nosso querido e valoroso Brasil. Vibrava quando via na televisão a multidão compacta, gritando a uma só voz: “Fora Dilma! Fora!” Fechava a cara quando via a gentalha gritando na avenida, a  todo vapor: “ Fora Golpistas ! Fica Dilma!”

           Não se conformou quando ouviu pela primeira vez o papagaio imitar o povão na gritaria infame: “Fica Dilma! Fica!” Bicho traidor, vira-folha descarado, repetindo de segunda a domingo, abaixo os golpistas, fica Dilma! Fez-se de desentendido a princípio, ante o comportamento  reprovável daquele perigoso subversivo, que morava em sua casa, comia do bom e do melhor, sem pagar um tostão. Destemido, tomado de brios patrióticos, passava junto dele, cantando, “eu sou brasileiro, com muito orgulho, muito amor, ê-ô, ê-ô…” O papagaio revidava de pronto para quem quisesse ouvir: “Dilma fica, leva essa de goleada!”

          Mudou a tática para suportar a palhaçada do bicho vil e impostor, que lhe ofendia o sentimento político,  maltratava a honra e envergonhava o Brasil, emitindo um refrão de locutor insano, que soava como ameaça absurda e desgraça gorda. Manteve-se em silêncio ante as provocações do inimigo incansável, defensor irreversível daquela presidente desastrosa, irresponsável, que cada vez mais levava a nação a uma situação de calamidade pública, possibilitando na engrenagem maluca do sistema tanta falta de emprego com as empresas  fechando.

          O impeachment de Dilma finalmente fora aprovado no Senado. O papagaio teve assim  o castigo que merecia, de boca cheia afirmava para quem quisesse ouvir o fazendeiro Felisberto Boca Rica.O bicho virou tira-gosto do churrasco regado a chope. Exatamente no  dia em que o fazendeiro comemorou com os familiares  e amigos  a grande vitória, na qual por justiça o Senado aprovava o impeachment. Botava aquela presidente  maluca para ir plantar batata no deserto,  fora do comando desse  Brasil democrático, tropicalista e brejeiro, com o seu povo mestiço apaixonado por futebol e samba.


*Cyro de Mattos é escritor e poeta. Publicado por várias  editoras na Europa. Premiado no Brasil, Itália, Portugal e México. Membro da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa pela UESC.

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