Época Saudosa
Época
feliz da vida, em que tudo parecia sorrir-me e da qual conservo as mais
saudosas reminiscências.
Tinha eu
nove para dez anos.
Metido em
uma jaquetinha à polca, cor de papo de saracura e calças de presilhas, talhadas
segundo o figurino de então, vivo e esperto como um camundongo, caminhava para
o colégio, acompanhado por uma negra, que era a personificação da prudência, e que às minhas inocentes travessuras, opunha
sempre esta terrível ameaça:
“Nhonhô,
olhe que eu vou contar à senhora”.
Quando, a
tarde, voltava para a casa, com os
bolsos cheios de cocos suando por todos os poros, as presilhas arrebentadas, os
dedos e os punhos da camisa manchados de tinta, a minha santa avó punha as mãos
na cabeça, e desfazia-se em exclamações:
“Que
desgraça! Este menino dá-me cabo da existência!
Olhem só como está a camisa! E o boné! Um boné que eu comprei ainda não
há dois meses! O que é isto que tens na testa?
- Não é
nada, vovó. Fui eu que caí. Estávamos brincando de chicote queimado... Vovó não
sabe o que é chicote queimado? A gente agarra no lenço, dá uma porção de nós,
muitos nós...
- Vai te despir,
pestinha. Deixa estar que para o ano hás de dormir no colégio e o mestre te há
de ensinar.”
Meia hora
depois, eu era objeto de afagos e ternuras, daquela que tão severa se mostrara
para comigo. É que a santa velha preenchia o vácuo imenso de uma mãe, que a
fatalidade me roubou no momento em que mais precisava de carinhos.
A lei das
compensações é providencial: e no fim das contas este mundo não é tão feio como
o pintam.
Eu era
pequeno e rechonchudo como uma bola.
O nariz
escondia-se-me entre as bochechas rosadas, e não havia mostrado ainda essa tendência
para disparar pela cara , como aconteceu mais tarde.
Pediam-me
beijos e diziam, segurando-me no queixo: “que menino bonito!”
Não se
riam, a gente daquele tempo não era lá dos mais exigentes. O meu ideal, sem ser
republicano, era a liberdade sem limites.
No dia em
que o grito de: férias, ecoava pelos quatro cantos do colégio, uma sensação
inexprimível se apoderava de todo o meu ser.
Férias! Nesta
palavra mágica não se encerra só a ausência da palmatória e o abandono dos
livros: mas principalmente a roça, com todos os seus prazeres e encanto.
Quinze dias
a correr pelos campos, perseguir como um louco as borboletas azuis, virar cambalhotas
na relva, adormecer extenuado à sombra do arvoredo, tudo isto bulia-me por tal
forma com o sistema nervoso, que eu sentia comichões em todo o corpo, e não
podia estar cinco minutos sem dizer:
“Chi! Que belo!
Vamos amanhã? Tomara que fosse já! Tra lá, tá, lá, li, li!”
E puxava
os vestidos das negras, trepava em cima das cadeiras, corria atrás dos
cachorros, era um louquinho em suma. E ais a razão porque a missa do galo me transporta
à época saudosa da jaquetinha à polca das calças de presilhas e do boné de palhinha
de Itália.
França Júnior
...........
(LÍNGUA PORTUGUESA Luso=Brasileira
ANTOLOGIA F. T. D. – livro de leitura
Organizado por Mário Bachelet)
LIVRARIA FRANCISCO ALVES
1944
França Júnior (Joaquim José da França Júnior), jornalista e
teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 18 de março de 1838, e faleceu em
Poços de Caldas, MG, em 27 de setembro de 1890. É o patrono da cadeira n. 12 da
ABL, por escolha do fundador Urbano Duarte.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário