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sexta-feira, 15 de junho de 2018

ÉPOCA SAUDOSA - França Júnior


Época Saudosa


            Época feliz da vida, em que tudo parecia sorrir-me e da qual conservo as mais saudosas reminiscências.

            Tinha eu nove para dez anos.

            Metido em uma jaquetinha à polca, cor de papo de saracura e calças de presilhas, talhadas segundo o figurino de então, vivo e esperto como um camundongo, caminhava para o colégio, acompanhado por uma negra, que era a personificação da prudência,  e que às minhas inocentes travessuras, opunha sempre esta terrível ameaça:

            “Nhonhô, olhe que eu vou contar à senhora”.

            Quando, a tarde, voltava para a casa,  com os bolsos cheios de cocos suando por todos os poros, as presilhas arrebentadas, os dedos e os punhos da camisa manchados de tinta, a minha santa avó punha as mãos na cabeça,  e desfazia-se em exclamações:

            “Que desgraça! Este menino dá-me cabo da existência!  Olhem só como está a camisa! E o boné! Um boné que eu comprei ainda não há dois meses! O que é isto que tens na testa?

            - Não é nada, vovó. Fui eu que caí. Estávamos brincando de chicote queimado... Vovó não sabe o que é chicote queimado? A gente agarra no lenço, dá uma porção de nós, muitos nós...

            - Vai te despir, pestinha. Deixa estar que para o ano hás de dormir no colégio e o mestre te há de ensinar.”

            Meia hora depois, eu era objeto de afagos e ternuras, daquela que tão severa se mostrara para comigo. É que a santa velha preenchia o vácuo imenso de uma mãe, que a fatalidade me roubou no momento em que mais precisava de carinhos.

            A lei das compensações é providencial: e no fim das contas este mundo não é tão feio como o pintam.

            Eu era pequeno e rechonchudo como uma bola.

            O nariz escondia-se-me entre as bochechas rosadas, e não havia mostrado ainda essa tendência para disparar pela cara , como aconteceu mais tarde.

            Pediam-me beijos e diziam, segurando-me no queixo: “que menino bonito!”

            Não se riam, a gente daquele tempo não era lá dos mais exigentes. O meu ideal, sem ser republicano, era a liberdade sem limites.

            No dia em que o grito de: férias, ecoava pelos quatro cantos do colégio, uma sensação inexprimível se apoderava de todo o meu ser.

            Férias! Nesta palavra mágica não se encerra só a ausência da palmatória e o abandono dos livros: mas principalmente a roça, com todos os seus prazeres e encanto.

            Quinze dias a correr pelos campos, perseguir como um louco as borboletas azuis, virar cambalhotas na relva, adormecer extenuado à sombra do arvoredo, tudo isto bulia-me por tal forma com o sistema nervoso, que eu sentia comichões em todo o corpo, e não podia estar cinco minutos sem dizer:

            “Chi! Que belo! Vamos amanhã? Tomara que fosse já! Tra  lá, tá, lá, li, li!”

            E puxava os vestidos das negras, trepava em cima das cadeiras, corria atrás dos cachorros, era um louquinho em suma. E ais a razão porque a missa do galo me transporta à época saudosa da jaquetinha à polca das calças de presilhas e do boné de palhinha de Itália.

França Júnior

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(LÍNGUA PORTUGUESA  Luso=Brasileira
ANTOLOGIA F. T. D. – livro de leitura
Organizado por Mário Bachelet)

LIVRARIA FRANCISCO ALVES

1944

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França Júnior (Joaquim José da França Júnior), jornalista e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 18 de março de 1838, e faleceu em Poços de Caldas, MG, em 27 de setembro de 1890. É o patrono da cadeira n. 12 da ABL, por escolha do fundador Urbano Duarte.

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