O Pior Time do Mundo
Cyro de Mattos
Cafuringa
Futebol Clube. Da cidade de Pilão Danado. Só interessava perder. Perder,
perder, perder. Ganhar nem pensar. O pior time do mundo. Encontrasse um time
pior, estivesse ganhando o jogo por um a zero, os defensores dessem um jeito,
antes que o juiz trilasse o apito final. Fizesse logo dois pênaltis, um atrás
do outro, a derrota não escapasse ao apagar das luzes. Torcedores iam ao
delírio. Foguetes pipocavam. Gritos e gritos e gritos. Ê-Ô, Ê-Ô, Cafuringa
é Perdedor! Ê-Ô, Cafuringa é perdedor.
O grito de
guerra ecoava no estádio.
Costumava
perder de goleada. Dez a zero a última, o auge da emoção, torcedores choravam,
abraçavam-se. Noticiário com manchete
empolgante na mídia. Plantão de notícia.
A TV estampava. Mais Uma Derrota do Pior Time do Mundo. De goleada: treze a zero. O Cafuringa Futebol Clube não deu
trégua ao Arempepe Esporte Clube, um que gostava também de perder, mas nem
tanto como o rival.
O pior em
campo: Gol-Contra. Zagueiro
especializado em fazer gol contra. Na goleada última fez três. Um de cabeça, outro de bicicleta, o terceiro
de bicuda, furou a rede.
Era a
glória. Não cansava das derrotas. Não tinha jeito. Nasceu para perder, até a última gota de sangue.
Pergunta do repórter ao atacante Zé
Velho:
- Vai
acabar hoje a série centenária de
derrotas contra o Pedrada Futebol Clube?
Sem
hesitar, resposta contundente:
-
Perder, perder, perder, uma vez perder,
perder até morrer.
Bandeiras desfraldadas. Retrato dos ídolos tremulando. De arrepiar.
Furão, Perna de Pau, Pereba, Azavesso, Frangueiro, Bola Murcha, Chulé. Os mais
ovacionados. Ídolos sem igual. A foto na
camisa do torcedor, rosto sorridente do
craque Azavesso, desdentado, cabeludo. No álbum de figurinhas, disputado a peso
de ouro pelos colecionadores.
Novos
jogadores. O time rejuvenescido. Ganhou de repente por um a zero, a zebra
aconteceu contra o Bagunça Futebol e Regatas. Ganhou outra, a terceira seguida.
Não era possível! Meu Deus, tem pena da gente,
o presidente suplicou, as mãos
rogando para o céu. Demitido o técnico.
Os
torcedores inflamados, sonoro protesto,
passeata aos gritos.
Desaprovação geral no estádio.
De-Canela, ex-astro do time, hoje chefe da torcida organizada, chegou a queimar
a camisa do time.
O time
entrando no gramado, apupos, xingamentos, ameaças. UM HORROR! Segundo turno,
ocupava o primeiro lugar. Podia ser campeão. Aberração, Calamidade. Tragédia.
Até que
retomou o rumo certo. Melhor dizendo, o errado, o costumeiro. Voltou a perder, uma partida atrás da outra, engordando o
famoso vicio. E o refrão voltou a ecoar no estádio: “Eê! Ê! Ê! Perder Pra
valer! Quem quiser venha ver!” Abraços,
choro incontido. Fogos de artifício, foguetes, berros, histerismo.
O pior
time do mundo na manchete. Com o seu trio de atacantes inesquecível: Mudo, Zoinho e Surdo. Ovação geral do torcedor empolgado.
Convicto. Eternamente.
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Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista, ensaísta,
romancista, organizador de antologia,
autor de livros para crianças e jovens. Membro efetivo da Academia de
Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa
Cruz. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em
Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca. Detentor de prêmios
importantes.
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