18 de Abril de 2018
Péricles Capanema
A respeito, a conventional wisdom é esmagadora.
Somos tidos por alegres, extrovertidos, gozadores da vida, até patuscos. No
Nordeste, mais, no Sul, menos. Carnaval no Rio, Carnaval na Bahia, frevo no
Recife, esticados, festanças e pândegas de rua em tantos outros lugares. Quase
virou marca do País lá fora: Brasil, carnaval-futebol. E ele sai com essa de
povo triste?
Capistrano de Abreu não está só. Vou pisar o estradão do
politicamente incorreto, avançar veloz na contramão e pelo caminho esbarrar em
ídolos cultuados na superficialidade.
Coloco ao lado do historiador outro homem de pensamento,
desempoeirando livro de Paulo Prado “Retrato do Brasil — ensaio sobre a
tristeza brasileira” [capa abaixo], publicado em 1928, reeditado
continuamente, mas pouco comentado. À vera, muitos o leem, com facilidade
percebem a seriedade esclarecedora do texto, mas quase ninguém sente ambiente
para sobre ele discorrer. Não dá ibope.
Paulo Prado (1869-1943) foi e representou um tipo humano que
começou a ter destaque na vida brasileira pela amplitude e finura de
apreciação. Teria sido vantajoso pessoas assim se se firmarem na arena púbica e
assim influir mais, mas vêm perdendo importância e desaparecendo para desgraça
nossa. Com muita simplificação, o velho paulista foi intelectual e homem de
ação. Esmiuçando, pensador, comerciante, fazendeiro, aristocrata, homem que sabia
viajar. Como muitos de seu tempo de forte nacionalismo, refletiu sobre quais
seriam as características autênticas do Brasil, suas lacunas e possibilidades,
e como poderia, desabrochando potencialidades, fulgurar no futuro.
Por que lamentei o desaparecimento de tal tipo humano? Por
que sua falta empobrece e deforma a vida pública do Brasil e até a formação do
povo. São padrões humanos educativos, quando nada pela vista e exemplo, em
certo sentido “role models”, agora virtualmente eliminados do horizonte das
novas gerações.
Esse tipo de homem de pensamento vivia imerso em muitos
ambientes e a reflexão em seus espíritos borbotava embebida de premissas
pujantes, às vezes com uma agradável nota de verdor caseiro — conversa
brilhante em ambiente informal. Trabalhavam material de primeira, filtrado por
olhos que tinham aprendido a ver. Assim, não pulava diante de nós o raciocínio
simplificador, ossos e esgares à vista, ao qual infelizmente vamos nos
acostumando. Vinha educado, bem expresso, matizado, sentia-se ali riqueza na
conjugação de várias realidades. Brotava de camadas mais fundas, fluía mais
límpido.
Vamos a Paulo Prado: “Numa terra radiosa vive um povo
triste. Legaram-lhe essa melancolia os descobridores que a revelaram ao mundo e
a povoaram. O esplêndido dinamismo dessa gente obedecia a dois grandes impulsos
que dominam toda a psicologia da descoberta e nunca foram geradores de alegria:
a ambição do ouro e a sensualidade livre e infrene que, como culto, a
Renascença fizera ressuscitar”.
Garante exatamente o contrário a sabedoria convencional
entre nós: a luxúria é fonte de alegria, a bem dizer condição indispensável e
insubstituível para manter o ambiente alegre. Paulo Prado, com coragem
intelectual, abrindo caminhos, avança no rumo contrário, a luxúria infrene está
na raiz da tristeza do brasileiro. Para ser alegre de fato, precisaria correr
para o rumo oposto, cultivar a pureza.
Com segurança, vai adiante o intelectual paulista, menos
difícil em homens de sua posição, no topo da inteligência, da vida social e, em
algum sentido, dos negócios: “A volta do paganismo, se teve um efeito
desastroso para a evolução artística da humanidade, que viu estancada a fonte
viva da imaginação criadora da Idade Média, […] teve como melhor resultado o
alargamento das ambições humanas de poderio, de saber e de gozo”. Lembra
Nietzsche e sua idealização do super-homem, oposto à mansidão de Nosso
Senhor: “Era preciso alterar o sinal negativo que o cristianismo
inscrevera diante do que exprimia fortaleza e audácia. Guerra aos fracos,
guerra aos pobres, guerra aos doentes”.
Continua: “A era dos descobrimentos exaltava a vida
física, como mais tarde a Revolução Francesa foi a exaltação da vida
intelectual, arrogante e independente”.
Outro ponto que não mudou desde os Descobrimentos e até hoje
gera tristeza, a cobiça, a busca desbragada da riqueza. A alegria está na
temperança, na despretensão, na conformidade sensata com os bens que a vida nos
oferece.
Enquanto perdurar tal situação, Paulo Prado tem razão, será
mentirosa a fama de alegre do brasileiro. Estaremos mais para jaburu que para
sabiá.
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