Céu sem estrelas
Quantos anos
passaram! A minha casa continua a mesma. Pintada de amarelo com as janelas
verdes. Há muitas janelas em minha casa, acompanhando o estilo normando.
O colorido
dos vidros, verde, rosa, champagne, azul, dá muita beleza àquelas janelas de
vários tamanhos. A escada em espiral vinda do jardim, continua dando muita
graça àquela casa da Independência. O jardim, lá está, não com as flores da
minha infância, mas, muito bem cuidado com a sua ramagem e gramado tornando-o
ainda belo.
Entrei. Tudo
na mais perfeita ordem. Os mesmos móveis. A mobília estilo Luiz XVI, dá uma onipotência
à sala de visita com suas paredes rigorosamente conservadas. Uma guirlanda de
rosas contorna aquela sala. Saindo das guirlandas, traços de caminhos sem fim
dourados completava assim a beleza
daquela pintura.
A sala de
música, o piano importado da Alemanha, lá está, mudo. A mobília oriental, era
pintada de vermelho com dragões dourados. Agora, modificada, pintada de preto e
com assento de palhinha, continuava linda. As paredes pintadas de azul com
traços dourados. Em cima, contornando-as, instrumentos musicais artisticamente
desenhados; bandolim, violino, tambor. As paredes da sala de jantar eram verdes
e no alto, frutos como, caju, maçã, cerejas estavam pintados.
Fiquei ali
parada, com o olhar fixo naquilo que via.
Quanta recordação!
Parecia ouvir as risadas gostosas de mamãe. O corre-corre da criançada subindo
e descendo a escada de jacarandá. Tenho a impressão de que todos estão ali e
que o passado tornou-se presente.
Olho o
piano mudo. De repente parecia ouvir tocar. Resolvi continuar a visita. Subo a
escada. Há lá em cima, os quartos, um monte de recordação. Vou ao quarto de
meus pais, ao vestíbulo onde meu pai costumava ficar lendo ou escrevendo. A sua
escrivaninha, lá está. Abro-a e encontro um caderno com a sua letra. Vejo um
soneto de sua autoria. Faço questão de transcrevê-lo:
O ORÁCULO
Mal me quer... Bem me quer...
Ela dizia e a flor despetalava
E no seu eterno sonho de mulher
Uma por uma, as pétalas arrancava.
Num sorriso meigo e
contrafeito
Esperava do oráculo a sorte linda,
Comprimindo o coração dentro do peito,
Numa ansiedade atroz infinda...
E neste engano tão belo e ledo
Ao cair da última pétala o segredo:
Bem me quer a flor lhe diz.
E ela numa alegria delirante
Vai dizendo e cantando saltitante
Ai! Como serei feliz!
(Francisco
Benício)
O meu
coração está cheio de saudades. Abro a janela. A noite estava muito fria. No céu
não havia estrelas. Céu sem estrelas. Foi assim que identifiquei minha casa
naquele momento. Continua para mim um céu, mas sem estrelas.
Fui deitar-me.
Não conseguia dormir. As lembranças vinham à minha presença. Naquele exato
momento, ouvi o ranger da escada. Meu Deus, quem será? Levantei-me e fui até
lá. Não era ninguém. Lembrei-me de Sílvio, meu irmão, que ao voltar da farra,
apesar de todo o cuidado, o ruído da escada o denunciava. Cheguei a vê-lo,
encaminhando-se para o seu quarto. Era muito bonito, com os seus cabelos lisos
penteados para trás.
Voltei para
o meu quarto. Cheguei à janela novamente. A noite continuava escura.
Depois de melhor refletir, ponderei: não é o
céu sem estrelas. Elas estão ali por trás da escuridão. Em minha casa também,
os meus pais, os meus irmãos que já se foram estão também ali. Estão,
sobretudo, em minha lembrança, em meu coração.
Deitei-me
e dormi profundamente. Acordei com o sino chamando para a missa. É domingo. Louvado
seja Deus. A vida continua.
(CARROSSEL)
Marília Benício dos Santos
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário