7 de Março de 2018
Péricles Capanema
Estou de braço quebrado. Pior, o direito, e sou destro. Já
sei, problema meu, ninguém tem nada a ver com isso. Podem ficar tranquilos, não
vou falar de mim só por falar, sirvo apenas de exemplo, tratarei mesmo é do
Brasil, catando milho nas teclas do computador com a mão esquerda. Eça de
Queiroz imaginou a vida de Gonçalo Mendes Ramires como metáfora de Portugal.
Modestamente, “proportione servata”, fiapos disso seguem abaixo.
Quieto, não sinto dor; se mexo, dói. Não espanta, a
imobilidade deve ser total, advertiu o ortopedista, uns 45 dias na tipoia, por
baixo. Obedeço, fazer o quê, mas é difícil. A cabeça continua igual, ainda que
um tanto desorientada pelo fechamento brusco do leque das possibilidades. Hoje
posso fazer quase nada, um tanto de coisas vai sendo deixada para trás a toda
hora, sei lá se e quando as retomarei. Aflijo-me em olhar o abismo entre o que
quero e o que posso fazer.
A sensação primeira foi de turbilhão, algo como um beduíno
inexperiente envolto por tempestade de areia. Dores, desorientação,
desconhecimento do que vem por aí e terei de enfrentar. Até o momento, ignoro
se será necessário a cirurgia ou se bastará o repouso para a reconstituição da
fratura. Nem sei se o braço terá os movimentos prejudicados. Como será a
fisioterapia? Disseram-me, vai ser necessária, nada mais. Na melhor hipótese,
daqui a poucas semanas tudo volta ao que era. Tentei escrever, saiu uma
garatuja. Perguntei tímido ao médico: — Posso escrever? — Melhor não. — Paro
por aqui, ao contrário de Xavier de Maistre não vou relatar viagem em torno do
meu braço partido. Rezem por mim.
O Brasil parece estar de braço quebrado. Sua “maior et
sanior pars”, a gente que presta, o pessoal mais ativo e decisivo, sente que,
mesmo com os atuais recursos, eliminados obstáculos artificiais, muita coisa
boa pode ser feita já. É preciso que, anos sem fim, apenas 2,1% dos alunos de
famílias pobres tenham aproveitamento escolar decente? Nenhuma nação terá
futuro de relevo com tragédia dessas. Em Hong Kong, 53,1% dos filhos de pobres
têm bom desempenho na escola; em Macau, 51,7%; em Cingapura, 43,4%; no Japão,
40,4%. Sexagésima segunda nossa posição entre os países, os dados, da OCDE
(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), estão nos jornais
dos últimos dias.
Nas últimas semanas também fomos informados por órgão ligado
ao Banco Mundial que no item Leitura (ciências humanas, digamos), posto o ritmo
atual, precisaremos de 260 anos para atingir o nível dos países desenvolvidos.
E no item Matemática (ciências exatas, digamos), 75 anos. É como estar de braço
quebrado. A “sana pars” do Brasil vê com clareza, pode planejar a saída, mas as
instituições a bem dizer tornam inviáveis quaisquer movimentos nesse sentido. É
uma espécie de imobilidade forçada que não leva à cura.
No Brasil dos anos 60 a “maior et sanior pars”
presenciou desgostada a irrupção nas praças e ruas do padre de passeata e da
freira de minissaia, como os ferreteou Nelson Rodrigues. Hoje fazem companhia a
eles o juiz de passeata e os procuradores de passeata, horrores impensáveis
naqueles já distantes anos, em que a gravidade, a discrição funcional e o senso
do bem comum dos magistrados parecia valor adquirido na sociedade brasileira.
A espetacularização achincalhante do Judiciário avança
despudorada sob o olhar asqueado da “sana pars” do Brasil. São trincas em uma
das colunas institucionais do Brasil. O que fazer? De certa maneira, aqui
também, de forma temporária, estamos condenados à imobilidade.
A podridão que exala das estatais (deixo de lado no momento
os prejuízos amazônicos, a incompetência e o descalabro proverbiais),
constatada no mensalão, no petrolão e no eletrolão, na bica, fez com que a
privatização avançasse no público. Já não se admite como possível, muito menos
como recurso eleitoral, a ridícula figura de Geraldo Alckmin vestindo jaqueta
com os logos das estatais, herança melancólica da campanha de 2006. Melhorando,
vergonhosa.
O atual é Paulo Guedes, o principal assessor econômico de
Bolsonaro, declarando o que vai a seguir sem acarretar perda de densidade
eleitoral para o candidato:
“O governo é muito grande, bebe muito combustível. Mas se
você olhar para educação, saúde, ele é pequeno. Já que a democracia vai exigir
a descentralização de recursos para Estados e municípios, o governo federal tem
que economizar. Onde? Na dívida.
“Se privatizar tudo, você zera a dívida, tem muito recurso
para saúde e educação. Ah, mas eu não quero privatizar tudo. Privatiza metade,
então. Já baixa metade da dívida. Tem clima para não privatizar? Onde começou o
mensalão, Bradesco ou Correios? Onde se acusa o Eduardo Cunha? Caixa, loterias,
fundos de pensão. Onde foi o petrolão? Petrobras. Você vê clima para continuar
com as estatais?
“O povo brasileiro é contra? Ou será que são vocês
[imprensa]? Eu nunca escutei isso do povo. Eu escutei isso da Folha, de
jornalistas tucanos, petistas. Por que não pode vender o Correio? Por que não
pode vender a Petrobras? E se o mundo for para um negócio de energia solar?
“E o shale gas [gás de xisto]? E se o petróleo,
daqui a 30 anos, estiver valendo US$ 8 [o barril]? Você sentou em cima de um
totem, ficou adorando o Deus do óleo. Por que uma empresa que assalta o povo
brasileiro tem que continuar na mão do Estado?” Aqui a fratura de décadas,
parece, começa a consolidar.
Um monte de fraturas ainda precisa consolidar. Já estou no
fim. Só dois exemplos. O disparate delirante da reforma agrária. O programa de
décadas atira pelo ralo uma dinheirama que não temos, não aumenta a produção,
não ajuda os pobres, é foco de corrupção. Todo mundo tem receio de tocar nesse
tumor de estimação.
Outro tumor, a subserviência e entrega do Brasil em relação
à China comunista, colocando a independência nacional em risco. Também já
completa décadas. Fraturas e tumores, temas atuais para a campanha
presidencial. O que deles pensam os candidatos? Rezem pelo Brasil e votem bem,
cuidado também na escolha de deputados, senadores e governadores, são coisas
boas que podem ser feitas já.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário