Caro Leitor,
Durante quase vinte anos eu folguei nos feriados americanos
e trabalhei nos brasileiros, mesmo quando estava aqui no Rio. Memorial Day
(última segunda-feira de maio), Labor Day (primeira segunda-feira de setembro),
Thanksgiving Day (a quarta quinta-feira de novembro), entre outras, eram datas
nas quais eu não ia trabalhar.
Embora tivesse cadeira cativa em um escritório de Chicago
(20 South Wacker Drive) e em outro de Nova York (Four World Trade Center 5th
floor), a maior parte do tempo eu ficava numa mesa de operações de um banco
situado no 17º andar de um prédio na esquina de av. Presidente Vargas com Rio
Branco, bem no Centro. De lá, não tinha como não assistir o desfile militar de
7 de setembro, nem os desfiles de escola de samba do terceiro grupo, no
Carnaval, nem diversas passeatas no dia de Corpus Christi.
Nessas datas, eu trabalhava sozinho na mesa de operações e
almoçava uma marmita que levava de casa. Como ninguém iria ligar a central de
ar-condicionado de todo um prédio só por minha causa, costumava abrir todas as
janelas da enorme sala. E por elas entravam as marchas militares na
Independência, os sambas-enredos no Carnaval e a música gospel no Corpus Christi.
Não sei se inspirado pela diversidade musical, ou contagiado
pela festança lá embaixo, ou encorajado pela minha solidão, o certo é que
nessas ocasiões eu arriscava muito mais do que nos dias comuns. E vejam que
sempre gostei de riscos (não é à toa que fui rico e pobre três vezes, antes de
estacionar na classe média), de alavancagens e de mercados exóticos. Já operei
feijão vermelho na bolsa de Tóquio, azeite de dendê futuro (não na Bahia, mas
na Malásia) e barriga de porco (pork belly) em Chicago.
O auge de minha orgia operacional solitária acontecia no
Carnaval. Certa vez, resolvi operar em todos os mercados de moedas, de
instrumentos financeiros, de commodities e de índices de ações. Um contrato de
marco alemão, um de libra esterlina, um de Treasury Bonds, um de S&P 500,
um de ouro, um de prata, um de milho, um de soja e assim por diante. Comprei ou
vendi de tudo. Sempre um. Usei como estratégia comprar os que estavam em alta e
“shortear” os que estavam em baixa.
E não é que deu certo? Entrei nas posições na segunda-feira
e zerei tudo na terça. Com pouquíssimas exceções, os ativos que estavam subindo
continuaram subindo e os que caíam permaneceram em baixa. Não ganhei nenhuma
fortuna, mas pus no bolso uns quatro ou cinco mil dólares, nada mal para um
Carnaval despretensioso. Tudo na física, bem entendido. O risco foi meu, o
lucro foi meu. E ninguém soube de nada porque maluquice, esquisitice e outros
“ices” têm de ser sigilosos, caso contrário os clientes (eu era broker também)
somem.
Um desastre
A brincadeira acabou na segunda-feira de Carnaval de 1994,
que caiu em 14 de fevereiro. Nesse dia, o primeiro-ministro japonês Morihiro
Hosokawa se encontrou com o presidente Bill Clinton no salão Oval da Casa
Branca numa reunião de trabalho. Clinton queria que o governo do Japão forçasse
uma desvalorização do iene, tese com a qual Hosokawa não concordava, preferindo
o câmbio livre.
Após a reunião os dois chefes de estado participariam de uma
coletiva, dando conta de seus acertos, ou desacertos. O mercado futuro de iene,
negociado em Chicago, estava num impasse. Se Clinton convencesse o japonês, o
iene despencaria. Caso o primeiro-ministro não concordasse com o colega
americano, a moeda japonesa faria um novo high de um bull market que já durava
anos.
Eu apostei em Clinton, “shorteando” pesadamente o iene. E
deu Japão. Nem precisei ler a notícia do resultado da reunião de cúpula. Bastou
olhar a tela de cotações e ver o iene disparar feito um foguete. Faltavam
poucos minutos para o encerramento do pregão e tive de ser rápido para fazer um
stop.
Na brincadeirinha de Carnaval perdi quase 30 mil dólares.
Vinte e nove mil e tantos. Dinheiro que, naquela ocasião, me fez muita falta.
Com o desfile de escolas de samba do terceiro grupo rolando
lá na av. Presidente Vargas, fui afogar minhas mágoas numa barraquinha, com
latas e mais latas de cerveja acompanhadas de shots e mais shots de cachaça. E
foi nesse estado de espírito (e de spiritual ) que peguei meu carro, uma
Parati, para voltar para casa na Barra da Tijuca.
Quem conhece o Rio de Janeiro, sabe que a avenida Niemeyer é
uma estrada costeira sinuosa que vai do Leblon a São Conrado. Tem pista
simples, com mão e contramão. Uma faixa amarela central deixa claro que as
ultrapassagens são proibidas ali.
Havia um carro lento à minha frente e do outro lado vinha um
Escort XR3 conversível. Eu calculei que dava para passar e entrei na contramão.
Só que, talvez por culpa do Clinton, do Hosokawa, da cerveja, da cachaça, ou
mais certamente de minha irresponsabilidade ao volante, o certo é que bati de
frente no XR3, novo em folha, no qual vinham quatro mancebos bem nutridos e vestidos
de centuriões romanos com as cores da Mocidade Independente de Padre Miguel.
Os garotões eram parrudos, eu já tinha 54 anos e lutar
(ainda mais contra quatro ao mesmo tempo) definitivamente não era o meu forte.
Para não ser impiedosamente linchado, só me restou recorrer à minha voz da
época de operador de pregão.
“Eu sou maluco, mas
não sou ladrão”, foram minhas primeiras palavras, trovejantes. “Vou pagar
agora, em cheque, o prejuízo que vocês calcularem, seja quanto for (complemento
de frase do qual me arrependi). Dou em garantia minha carteira de identidade e
meus cartões de crédito.” Uma patrulhinha da PM chegou pouco mais tarde,
relevou meu estado etílico e providenciou dois reboques (pagos por mim, é
claro).
Bem, não vou terminar
esta história com um clichê politicamente correto do tipo: “Se beber, não
dirija.”
Prefiro uma dica de trader que já levou muita porrada,
embora não física e muito menos de sambista. Não tome decisões só por tomar. Do
estilo: “Pra não dizer que não fiz nada”. Na dúvida, fique quieto, ouvindo um
cantor gospel sertanejo, se necessário.
Um abraço,
......
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Enviado por: Sunday
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