13 de Fevereiro de 2018
Péricles Capanema
Influência ou poder? Já vi, quer juntar os dois. Um ou
outro, dependendo das circunstâncias. Se fosse necessário escolher, qual deles?
Rumine sem pressa, nem precisa optar agora. E, praticamente, o mais importante
é saber agir para ter os dois ao mesmo tempo.
Influência, indica a palavra, fluir para dentro, mexer com o
interior, modificá-lo. Poder é imposição, coerção. Nas famílias, tantas vezes o
pai tem o poder, pouca ou nenhuma influência. E a mãe, às vezes, sem poder
efetivo, exerce influência. O mesmo sucede em famílias estendidas, pais, mães,
avós, primos, empresas, grupos de amigos; enfim, em ajuntamentos humanos de
todo tipo. Com uns, o poder; com outros, sobretudo a influência. Existem países
de gigantesco poder. Há nações de ampla influência e, relativamente, pouco
poder. E é sobre isso que pretendo discorrer hoje. Importa especialmente ao
Brasil, País vocacionado para a influência, tem valor para qualquer país.
Joseph S. Nye [foto ao lado], professor em Harvard,
criou a expressão soft power (poder suave, brando). Está mais ligado
à influência que ao poder. Uma das definições do autor: “Soft power á a
capacidade de conseguir o que você deseja mediante atração e não coerção ou
compra. Brota da atração das políticas, ideais políticos e cultura de um país.
Quando nossas políticas são vistas como legítimas aos olhos dos outros, aumenta
nosso soft power”. Continua o professor: “A sedução é sempre mais
efetiva que a coerção”. Soft power, percepção subjetiva, é simbolismo,
irradiação, capacidade de atrair, encantar e ser imitado, até determinar em
certa medida a direção da vida.
A ela se opõe a expressão hard power (poder duro).
No meio está sharp power (poder cortante). Hard power é
poder militar, força econômica. Disse acima, imposição e coerção. Sharp
power é a região cinzenta entre os dois extremos, mistura influência e
imposição, “confiança na subversão, bullying, e pressão, na promoção
da autocensura”, lembra o professor Joseph Nye. Arma de “regimes
autoritários, impõe condutas internamente e manipula opiniões externamente”,
acrescenta.
O mais conhecido exemplo de sobrevalorização do hard
power, acho, vem de Stalin. Em 1935, depois de assinar o pacto de assistência
mútua com a Rússia soviética, Pierre Laval, ministro do Exterior francês,
queria aliança mais ampla, englobando Mussolini, Inglaterra e até a Igreja
Católica. Em conversa com o ditador soviético, para tornar mais fáceis as
tratativas, sugeriu a ele que diminuísse a perseguição contra os católicos,
duríssima em especial na Ucrânia. Resposta do tirano: “Quantas divisões
tem o Papa?” Como o Papa não tinha força militar, nem iria considerar a
sugestão. A manifestação boçal do chefe comunista, enorme tolice, negava que
o soft power pudesse ser determinante.
Seu maior exemplo de eficácia de que agora me recorde foi a
oratória galvanizadora de Winston Churchill durante a 2ª Guerra Mundial, fator
decisivo da resistência e vitória da velha Albion. “Winston Churchill
mobilizou a língua inglesa e a lançou na batalha”, dito real e que ficou
célebre.
Saiu o relatório The Soft Power 30 — a global ranking
of soft power — 2017 [Os 30 primeiros Estados em soft power —
lista global de 2017, em tradução bem livre], confeccionado sob a coordenação
de Jonathan McClory, lido com grande atenção mundo afora por gente influente
nos governos, empresas e universidades que contam. Para a elaboração da lista,
além de opinião de grandes especialistas, foram ponderados itens como cultura,
governo, capacidade de relacionamento, importância e atratividade das
universidades, pesquisa, nível da informática; até culinária entra.
A França não lidera apenas em culinária. Em 2017, é a nação
mais influente do mundo para tais estudiosos. Em segundo lugar está a
Inglaterra. Apenas em terceiro vêm os Estados Unidos. Quarto lugar, Alemanha. A
China aparece em 25º, Rússia em 26º, o que mostra a reserva, até mesmo a
oposição generalizada a seus intuitos expansionistas, bom sinal.
O Brasil detém a posição 29ª. Mau sinal. Para o empurrão
costa abaixo contam vários fatores, dos quais um é o governo lotado de
corruptos que vem desde os dois períodos de Lula e, na percepção mundial,
continua até hoje. À frente do Brasil estão países como Cingapura (20º lugar),
prestigiada pelo ótimo ambiente de negócios, Suíça (7º posto), simpatizada pelo
governo eficaz e limpo. Outros países que nos deixam na rabeira: Japão (6º),
Dinamarca (11º), Portugal (22ª). O Brasil é o único latino-americano na relação
dos 30. Já fora dela, aparecem Chile (32º), Argentina (33º) e México (34º).
Em área, o Brasil é o 5º país do mundo (e não tem desertos
nem geleiras), em população é o 6º. Estar jogado na 29º posição mostra
desleixo, desperdício de talentos, falta de norte. Sei bem, a avaliação é
subjetiva, cada um pode fazer sua própria lista, com base em critérios
diferentes dos usados pelos estudiosos.
Contudo, grosso modo, é aceitável
a classificação, tem a favor argumentos ponderáveis.
Empurrando para fora do quadro ufanismos nacionalisteiros,
sentimos que mereceríamos mais. Mereceríamos, condicional, se fizéssemos por
onde. Fizéssemos nossa parte. Estamos fazendo? Ninguém vai garantir. A gente
colhe o que planta.
O listão estrala como bofetada no rosto (o pior da bofetada
é o som, dizia Nelson Rodrigues). Falta criar vergonha e disparar no rumo
certo. O começo de qualquer caminhada correta é a constatação humilde, estar
fora do destino reto. Depois, propósito sério de pegar a estrada certa. Onde
enxergamos isso?
Nas ruas, o que vemos são blocos de foliões, festeiros pelo
menos resignados com a deliquescência generalizada. Daqui a pouco os sequelados
das fuzarcas estarão lotando delegacias e hospitais onde equipes zelosas
atenderão ferimentos, óbitos, bebedeiras, overdose, mães solteiras, sei lá mais
o quê.
Por que lembrar agora problemas, tão na contramão do alegre
e irrefletido clima carnavalesco que banha (ou suja) o País? Inconformidade.
Quem não percebe, nada disso ajuda a encontrar o norte, evitar o desleixo, eliminar
o desperdício de talentos humanos e recursos da natureza. Não me conformo — e,
estou certo, tenho companhia — em ver meu país que tem tudo para dar certo por
décadas teimando em dar errado. Sou dos muitos que anseiam por uma insurreição
dos inconformados, incoercível, pacífica e vitoriosa.
Engraçado, fiquei na dúvida, estou achando, o melhor título
para o artigo seria “A insurreição dos inconformados”. Vale mais ficar a
inconformidade como tema de reflexão, à maneira de um gostinho na boca, do que
escolher entre poder e influência. Estimularia a ação dos inconformados, a
coorte dos que lançam mão do poder e da influência para levar o Brasil à
condição natural disposta pela Providência.
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