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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O MEU QUARTO E ÚLTIMO EMPREGO – Francisco Benício dos Santos

O meu quarto e último emprego


            Era ao tempo eu que decorreram estes acontecimentos, Cândido Correia da Silva, negociante e possuidor de alguns haveres. Conhecia-me dos tempos de Conceição do Saco, onde tivera ele pequeno negócio.

            Resolveu mudar o seu negócio para a Rua da Lama, hoje, “doutor Seabra”, para a casa em cujo local hoje está a Farmácia Carvalho. Estava a casa pronta, só faltava a pintura. Pedi-lhe o seu consentimento para que trabalhasse como ajudante de pintor. Consentiu.

            Terminada a pintura, convidou-me para ser empregado. Aceito como uma dádiva do céu, o convite. Era seu empregado e gerente, o seu filho Thadeu, já falecido.

            Não me marcou ordenado, e eu fazia as refeições em casa de sua família. O tempo que ali passei,  não me recordo, não chegou, porém, a um ano.

            Há dias que vinha notando no meu patrão, modos grosseiros comigo, receios e desconfiança.

            Eu morava na república dos pedreiros, onde eles, aos sábados, faziam bailes, para os quais eram convidados as mundanas e rapazes desocupados. Eu também tomava parte nestas festas, pois lá morava.

            Acho e julgo que por esse motivo, gerou-se o espírito do homem, a ideia de que eu estava lhe prejudicando, ou roubando a sua casa, e começou a desconfiar de mim e por à prova a minha honestidade.

            Um dia, pela manhã, ele, acompanhado de diversas pessoas, antes de abrir o comércio, penetrou na república onde eu residia, chamou-me, e, na vista de todos os presentes e dos companheiros de morada, abriu minha velha mala, remexeu a pouca roupa que tinha (molambos e uma coberta de três contos, já usada) sem nada, graças a Deus, encontrar.

            Ficou contrariado por não ter dado resultado satisfatório a sua infeliz diligência e disse-me grosseiramente:

            - Não vá me dar um tiro na tocaia, não.

            Coitado de mim e coitado dele. Sofri imensamente. Sofri amargamente. Não sei como não sucumbi de dor e de vergonha. Santo Jesus! Quanto mais se eu fosse culpado...

            Quedei-me preso de forte depressão nervosa, com vergonha de tudo e de todos. Tinha medo da própria casa. Não podia suportar o olhar de pessoa alguma, parecia que todos me culpavam. Não sei como não tentei contra a existência. Deus é muito bom e não consentiu que eu pensasse em tal.

            Envergonhado, sucumbido, acabrunhado, resolvi ir embora. É verdade que a minha consciência estava livre, e que ninguém encontrou na minha mala nada alheio. Saí-me bem da terrível prova. Porém ficava a desfeita, a vergonha e os comentários gratuitos e levianos. 

            Disposto a ir para São Paulo, saí à noite, às ocultas, com vergonha do mundo e temendo a maldade humana, para Água Branca e para a casa de Domingos Silva, meu amigo e meu inquilino, que me acolheu carinhosamente, dando-me guarida, comida, dormida e conforto moral ao meu sequioso espírito, encorajando-me para a luta e para enfrentar a vida.

            Foi-me um grande consolo e apoio moral.

           Devo aqui consignar que, da casa de palhas, a cozinha já estava coberta de telhas e que Domingos Silva, sócio de José Kruschewsky, nela era estabelecido,  com molhados e compra de cacau.

            Encorajado e resoluto, voltei para Tabocas mais animado.

            O velho Domingos Lopes (cujo nome é dado a uma das ruas de Itabuna), era estabelecido onde está hoje a casa dos meus, com negócios de importação de fumo, toucinho e feijão, de  Teófilo Otoni, Minas. Tendo sabido da injustiça por mim sofrida chamou-me a casa e paternalmente, santamente, disse-me:

            - Coragem, rapaz, calma, e atente bem, com destemor, resignação e economia, vencem-se as maiores dificuldades da vida.

          Isso me disse com um meigo sorriso.

            - Não vá a São Paulo, fique aqui. Venda a sua casinha e bote uma “cachacinha” (um pequeno negócio).

            Fez-me imenso bem o seu conselho, foi como se um bálsamo, ou como um fluido magnético me envolvesse. Tremi, chorei e, confortado, aceitei o seu conselho santo, justo e caridoso.

            Ele fora apenas o portador da mensagem de Jesus e Nossa Senhora do Rosário, e dos meus guias, que me falaram pela boca de Domingos.

            Belo caráter, austero, nobre, justiceiro, probo e, sobretudo bom.

            Deus, lá de cima onde está o velho Lopes, lhe pague o bem que me fez cujos conselhos decidiram, de todo, o meu futuro e a minha existência. Deus ilumine e guie o seu nobre espírito.

            Também agradeço a Deus a dor purificadora, a mágoa que me causou a ignorância do meu patrão. Sem ela, sem o seu estímulo, talvez eu não tivesse despertado para o cumprimento da minha missão aqui na terra.

            Deus é muito bom. Deus lhe perdoe como eu há muito lhe perdoei e do fundo, do íntimo do meu ser, lhe perdoo o mal que me fez que sem ele eu não seria nada na terra; sua maldade é que me despertou para enfrentar a vida, com alegria e coragem.


(MEMÓRIAS DE CHICO BENÍCIO)

Francisco Benício dos Santos

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