O meu quarto e último emprego
Era ao
tempo eu que decorreram estes acontecimentos, Cândido Correia da Silva,
negociante e possuidor de alguns haveres. Conhecia-me dos tempos de Conceição
do Saco, onde tivera ele pequeno negócio.
Resolveu
mudar o seu negócio para a Rua da Lama, hoje, “doutor Seabra”, para a casa em
cujo local hoje está a Farmácia Carvalho. Estava a casa pronta, só faltava a
pintura. Pedi-lhe o seu consentimento para que trabalhasse como ajudante de
pintor. Consentiu.
Terminada
a pintura, convidou-me para ser empregado. Aceito como uma dádiva do céu, o
convite. Era seu empregado e gerente, o seu filho Thadeu, já falecido.
Não me
marcou ordenado, e eu fazia as refeições em casa de sua família. O tempo que
ali passei, não me recordo, não chegou,
porém, a um ano.
Há dias
que vinha notando no meu patrão, modos grosseiros comigo, receios e
desconfiança.
Eu morava
na república dos pedreiros, onde eles, aos sábados, faziam bailes, para os
quais eram convidados as mundanas e rapazes desocupados. Eu também tomava parte
nestas festas, pois lá morava.
Acho e
julgo que por esse motivo, gerou-se o espírito do homem, a ideia de que eu
estava lhe prejudicando, ou roubando a sua casa, e começou a desconfiar de mim
e por à prova a minha honestidade.
Um dia,
pela manhã, ele, acompanhado de diversas pessoas, antes de abrir o comércio,
penetrou na república onde eu residia, chamou-me, e, na vista de todos os
presentes e dos companheiros de morada, abriu minha velha mala, remexeu a pouca
roupa que tinha (molambos e uma coberta de três contos, já usada) sem nada,
graças a Deus, encontrar.
Ficou
contrariado por não ter dado resultado satisfatório a sua infeliz diligência e
disse-me grosseiramente:
- Não vá
me dar um tiro na tocaia, não.
Coitado de
mim e coitado dele. Sofri imensamente. Sofri amargamente. Não sei como não
sucumbi de dor e de vergonha. Santo Jesus! Quanto mais se eu fosse culpado...
Quedei-me
preso de forte depressão nervosa, com vergonha de tudo e de todos. Tinha medo
da própria casa. Não podia suportar o olhar de pessoa alguma, parecia que todos
me culpavam. Não sei como não tentei contra a existência. Deus é muito bom e
não consentiu que eu pensasse em tal.
Envergonhado, sucumbido, acabrunhado, resolvi ir embora. É verdade que a
minha consciência estava livre, e que ninguém encontrou na minha mala nada
alheio. Saí-me bem da terrível prova. Porém ficava a desfeita, a vergonha e os
comentários gratuitos e levianos.
Disposto a
ir para São Paulo, saí à noite, às ocultas, com vergonha do mundo e temendo a
maldade humana, para Água Branca e para a casa de Domingos Silva, meu amigo e
meu inquilino, que me acolheu carinhosamente, dando-me guarida, comida, dormida
e conforto moral ao meu sequioso espírito, encorajando-me para a luta e para
enfrentar a vida.
Foi-me um
grande consolo e apoio moral.
Devo aqui
consignar que, da casa de palhas, a cozinha já estava coberta de telhas e que
Domingos Silva, sócio de José Kruschewsky, nela era estabelecido, com molhados e compra de cacau.
Encorajado
e resoluto, voltei para Tabocas mais animado.
O velho
Domingos Lopes (cujo nome é dado a uma das ruas de Itabuna), era estabelecido
onde está hoje a casa dos meus, com negócios de importação de fumo, toucinho e
feijão, de Teófilo Otoni, Minas. Tendo
sabido da injustiça por mim sofrida chamou-me a casa e paternalmente,
santamente, disse-me:
- Coragem,
rapaz, calma, e atente bem, com destemor, resignação e economia, vencem-se as
maiores dificuldades da vida.
Isso me
disse com um meigo sorriso.
- Não vá a
São Paulo, fique aqui. Venda a sua casinha e bote uma “cachacinha” (um pequeno
negócio).
Fez-me imenso bem o seu conselho, foi
como se um bálsamo, ou como um fluido magnético me envolvesse. Tremi, chorei e,
confortado, aceitei o seu conselho santo, justo e caridoso.
Ele fora
apenas o portador da mensagem de Jesus e Nossa Senhora do Rosário, e dos meus
guias, que me falaram pela boca de Domingos.
Belo
caráter, austero, nobre, justiceiro, probo e, sobretudo bom.
Deus, lá
de cima onde está o velho Lopes, lhe pague o bem que me fez cujos conselhos decidiram,
de todo, o meu futuro e a minha existência. Deus ilumine e guie o seu nobre
espírito.
Também
agradeço a Deus a dor purificadora, a mágoa que me causou a ignorância do meu
patrão. Sem ela, sem o seu estímulo, talvez eu não tivesse despertado para o
cumprimento da minha missão aqui na terra.
Deus é
muito bom. Deus lhe perdoe como eu há muito lhe perdoei e do fundo, do íntimo
do meu ser, lhe perdoo o mal que me fez que sem ele eu não seria nada na terra;
sua maldade é que me despertou para enfrentar a vida, com alegria e coragem.
(MEMÓRIAS DE CHICO BENÍCIO)
Francisco Benício dos Santos
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário