O cafezinho da Marília
Marília
Benício dos Santos, a querida Julinha, nos presenteia com seu livro de crônicas
– CARROSSEL. Filigrana em termos de pureza, simplicidade e ternura!
Prefaciando, Lígia Moog diz que a autora “escreve como quem canta”. Eu
completaria: como quem canta uma canção de ninar.
Devagarinho, carinhosamente, Marília vai se pronunciando através de
monólogos, reflexões ou diálogos com Deus e as criaturas – sobre vários temas
que o dia-a-dia lhe sugere, num estilo descontraído e fluente como águas
límpidas de um regato. Em textos breves, coloca, sutilmente, críticas às injustiças sociais, às vaidades humanas,
à hipocrisia e aos preconceitos, com graça e bom humor, com leveza de
expressões que nos faz rir e admirar o teor de sabedoria e equilíbrio. Usa a
síntese e, muitas vezes, o silêncio, como alavancas propulsoras do nosso
pensamento.
Julinha dá
seu recado de amor assumindo-se maravilhosamente como mulher e cristã, nas
emoções que descreve ao defrontar-se com pessoas e fatos triviais, perceptíveis
só pelo radar privilegiado de sua sensibilidade. Vai destilando o âmago das
coisas mais singelas e, num milagre de sua ternura, trazendo para fora luz e
sombra, dor e prazer, com que tece o universo místico de CARROSSEL, onde trata,
com igual atenção e carinho, o velho e a criança, o mar e o céu, o rico e o
pobre, a vida e a morte, o passarinho e o “Cristo Torcido”, o hotel de cinco estrelas
e o banco do jardim que ela chama, com muita graça, de “Pensão Estrela”.
Se o
cristianismo fosse ópio, como afirmam os ímpios, ainda assim seria válido, pela
saúde espiritual, otimismo e alegria que consegue transmitir.
Marília:
“Todos nós
temos um rio. Um rio dentro de nós que ninguém percebe, somente Deus”. E,
adiante, concluindo – “O mar lembra o infinito. Fomos criados para ser mar. É
importante não sufocarmos este rio. O tempo passa, se não deixarmos o nosso rio transformar-se em mar, chegaremos
ao fim da vida, sem ter realizado aquilo que Deus planejou para nós: A alegria
de viver”.
Em outra
crônica:
“Seguindo o exemplo da estrela, quero derramar sobre todos
tudo de bom que tenho dentro de mim: amor, ternura, alegria, gratidão...”
E na
crônica que ela intitula de Felicidade:
“Perguntaram ao João, um garoto de sete anos:
- João, o
que é felicidade?
-
Felicidade é o jardim. Felicidade é minha mãe.
Ao ouvir
esta resposta, aqueles jovens deram muitas risadas”.
... “Ele
deu uma grande resposta, talvez tenha ensinado para aqueles jovens que a
felicidade não deve ser discutida. A felicidade precisa ser sentida. Às vezes
ela está pertinho, mas não a percebemos porque estamos preocupados em
procura-la, correndo atrás. Se prestássemos atenção, se ficássemos observando,
veríamos a felicidade como João a viu no jardim. As crianças são sensíveis, por
isso são felizes.
... “Façamos
da vida um jardim e seremos felizes, mesmo sabendo que no jardim há espinhos, é
que, atrás dos espinhos, há rosas”.
Assim,
Marília nos traz a chave da felicidade que ela conhece, numa bandeja, como quem
traz, gentilmente, um cafezinho quente, coado na hora! Nesta hora em que o
mundo tanto precisa do calor estimulante de pensamentos puros e honestos!
Admitamos que alguém não goste do “cafezinho” servido no CARROSSEL. Será uma
pena! Afinal, muitos não gostam e outros, coitados, já não podem tomar café...
Mas, que este da Julinha é bom, é! Cheiroso, natural, autêntico, sem as
camuflagens que medram por aí, com rótulos de “para exportação”. No CARROSSEL
serve-se o “café” da nossa Bahia, preparado por baiana competente que ainda
sabe cantar canções de ninar, contar histórias com ternura e rezar com
esperança e fé, enquanto a “água” ferve na chaleira...
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*Publicado em “A Tarde”, de 22-01-1985
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Contracapa do Livro ARCO-ÍRIS de Marília Benício dos Santos
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