18 de dezembro de 2017
Péricles Capanema
Procurava subsídios para artigo e encontrei aos montes o que
não esperava. Foi assim. Em vez de fixar a atenção apenas nas colaborações para
os sites políticos das mais variadas orientações, voltei-a para a seção de
comentários. Deparei-me com o horror. Mares de opiniões pavorosas pela
irreflexão, superficialidade, insciência, despropósito, primarismo e
boçalidade; aqui e ali, pérolas nos brejos, observações inteligentes.
Aproveitei o embalo e, para verificar se o fenômeno era
generalizado, fui espiar por alto repercussões em sites de futebol,
mundo do espetáculo e algo mais. Mesma coisa. Propositadamente deixo de lado o
enorme monturo da linguagem chula e dos palavrões. Não recomendo a peregrinação
deprimente.
Lembrei-me quase automaticamente de desabusadas e já antigas
ponderações de Nelson Rodrigues: “Antes, o silêncio era dos imbecis, hoje
são os melhores que emudecem. Até o século 19 o idiota era apenas o idiota e
como tal se comportava. E o primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota.
Não tinha ilusões. Aquele sujeito que antes limitava-se a babar na gravata
passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente.
Houve, em toda parte, a explosão triunfal dos idiotas. Outrora, os melhores
pensavam pelos idiotas, hoje, os idiotas pensam pelos melhores”.
A lógica empurra o jornalista para a conclusão: “O
grande acontecimento do século [20] foi a ascensão espantosa e fulminante do
idiota”. Existiriam aos milhares, mas não vou memorar casos engraçados, nem
piadas sobre a idiotice. Bastaria empilhar trechos dos improvisos, qualquer
deles, da ex-presidente Dilma Rousseff para provar pela evidência como andava
certo Nelson Rodrigues.
Um só, em Nova York. Ali, logo depois do discurso inaugural
da assembleia da ONU, feito pelo Brasil, achando que dava o grande, disparando
conselhos, procurando impressionar públicos de outros países, assim se saiu a
nossa então Presidente: “Até agora, até agora, a energia hidroelétrica é a
mais barata. Em termos que ela dura, da sua manutenção e também pelo fato da
água ser gratuita. E da gente podê estocá. O vento podia ser isso tamém, mais
ocê num conseguiu ainda tecnologia pa estocá vento. Então, se a contribuição
dos outros países, vamos supor que seja desenvolver uma tecnologia que seja
capaz de na eólica estocá, ter uma forma docê estocá, porque o vento, ele é
diferente em horas do dia. Então vamos supor que vente mais à noite, cumé que
eu faria para estocá isso? Hoje, nós usamos as linhas de transmissão, cê joga
de lá pra cá, de lá pra lá pra podê capturá isso”.
A nossa Presidente, em golpe de genialidade, na exposição
solicitava aos outros países que desenvolvessem tecnologia para estocar vento.
Repito, não é exceção, é apenas exemplo delirante (nada no
trecho tem pé nem cabeça) de fenômeno generalizado. Disparates desse nível
intelectual se encontram aos milhões em comentários na rede sobre os mais
diversos temas. De fato, lá tem coisa pior. De irmãos nossos, brasileiros,
enfim, e até de boa orientação. E, como a ex-presidente, arrogantes, pretensiosos
e autoconfiantes.
Assim, não convido para rir, o riso seria — de novo Nelson —
o disfarce de mágoa incurável, são retratos de nossa decadência. “Assim é
o brasileiro, tem sempre uma piada fulminante, não temos dinheiro, mas temos a
anedota”, outra observação do escritor recifense.
Tudo isso está muito entranhado no Brasil, arrancar tais
raízes demanda décadas (com otimismo). E será nesse ambiente que se darão as
eleições de 2018. Então, com realismo, temos de nos preparar para o pior,
fazendo tudo ao nosso alcance para que tal não ocorra.
Só outros hábitos nos tirariam do buraco. Lembro alguns.
Observação minuciosa, paciente e aplicada da realidade. E depois, com base no
material trabalhado e nas leituras, refletir com humildade, despretensão, serenidade.
Opinar? Sim e muito. Mas tão-somente quando tiver alguma coisa de realmente
útil para o enriquecimento do debate, mesmo os domésticos. Já seria um começo.
A generalizada atmosfera de excitação, caldo de cultura para
opiniões definitivas e bestas, traz logo após o abatimento e a desorientação.
Daí escorrega para o irrealismo, a subserviência a clichês ocos e o desastre.
Fracasso não só pessoal, já seria lamentável, mas do Brasil. Em especial vale
para os jovens, e lá vou eu atrás de outro dito do grande dramaturgo:
“Se o homem de uma maneira geral tem vocação para a
escravidão, o jovem tem uma vocação ainda maior. O jovem, justamente por ser
mais agressivo e ter uma potencialidade mais generosa é muito suscetível ao
totalitarismo. A vocação do jovem para o totalitarismo, para a intolerância, é
enorme. Eu recomendo aos jovens, envelheçam depressa.”
Enquanto lia a seção dos leitores de vários sites,
irritantemente me voltava à memória o refrão de conhecida música “Carcará,
pega, mata e come”. Magro, feioso e voraz, um solidéu de penas pretas na
cabeça, o pássaro carniceiro só sabe pegar, matar e devorar. Na paisagem
sáfara, lá fica ele no alto, indiferente a tudo, menos às presas. Desce rápido
e as estraçalha. Pousa então em galhos das árvores, cabeça alta, bicão tosco
levantado. Logo depois volta a fazer o mesmo. É sua existência, bom símbolo de
cegueira para a realidade, pensamento mínimo e arrogância.
Termino com bonito, quase tocante, trecho de Nelson
Rodrigues: “O ser humano é um caso perdido. E falo isto com a mágoa de
quem queria ser um santo. O único ideal que eu teria na vida, se fosse possível
realizá-lo, era ser um santo. Eu queria ser um sujeito bom. A única coisa que
eu admiro é o bom, fora disto não admiro mais nada”. Programa para cada um,
para o Brasil, apropriado especialmente para dias do Natal.
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