Um Museu Importante que foi Casa
de Coronel de Cacau está Desativado
Cyro de Mattos
A Fundação Henrique Alves dos Reis foi forçada a ficar desativada em 1990, em razão da falta de recursos e, com
isso, o município de Itabuna sofreu uma grande perda dentro do contexto
cultural de seus espaços mais importantes. A Fundação era mantida com os
rendimentos de 2.500 arrobas de cacau que a fazenda Sempre Viva produzia
anualmente. O baixo preço do produto àquela época e a carestia imposta por uma
inflação galopante fizeram com que se
tornasse inviável a sua manutenção. Em época mais recente, ainda como fator
negativo para reativar a fundação Henrique Alves dos Reis, interferiu o advento
da praga da vassoura-de-bruxa, contribuindo para a quase devastação da lavoura
cacaueira.
Idealizada por dona Elvira dos Reis Moreira para perpetuar a
memória do pai, coronel Henrique Alves dos Reis, desbravador e chefe político de grande influência no
município, a Fundação foi instalada em
11 de setembro de 1978, mas em 10 de maio de 1974 já existia o Museu Casa Verde, que passou depois a
integrar o patrimônio da instituição. Funcionava no local onde, no princípio do século XX, existia um armazém
para a comercialização e depósito do
cacau. Com a destruição do armazém, foi
erguida em seu lugar a Casa Verde, datada de 1887, onde moraram o coronel
Henrique Alves dos Reis e sua mulher, dona Cordolina Loup dos Reis, a filha
Elvira e o genro, Miguel Moreira, que foi prefeito de Itabuna.
O Museu Casa Verde preserva o passado da conquista e do
domínio dos coronéis do cacau, um tempo áureo da civilização grapiúna visível
nas peças e indumentárias dos séculos XIX e XX, pertencentes à família do
coronel Henrique Alves dos Reis. O mobiliário ali exposto é em madeira
trabalhado na Áustria e em Portugal, conservando o museu um acervo constituído
de mais de 2.500 peças de cristais de Baracat, prata, coleções belíssimas de
biscuits franceses, aparelhos de café e
jantar de Limoges e da Inglaterra, conjunto de talheres de Cristophe, móveis em
estilo Luís XV, bandejas, jarros, e
bacias em louça chinesa, floreiras em electroprata, além de objetos pessoais;
fardamentos, espadas, moedas em prata dos primeiros anos do século XX,
vestidos, chapéus e leques.
Documentos valiosos sobre a memória política da cidade estão
ali guardados, assim como vários números do jornal O Intransigente, um dos
primeiros veículos da imprensa local, cuja primeira página do primeiro número foi impressa em seda pura.
A Universidade
Estadual de Santa Cruz - UESC – e
o seu Centro de Documentação e Memória Regional – CEDOC – assumiram no final do
século XX a administração do Museu Casa
Verde, da Fundação Henrique Alves dos Reis, em Itabuna, contribuindo assim para formar, por extensão, o diálogo
entre a memória, que é o lugar de onde emerge a história, e as pessoas que
forem visitar um espaço formador do desenvolvimento sócio-cultural da
comunidade baiana e, em particular, da grapiúna.
Reativar, manter e disponibilizar ao público o Museu Casa
Verde, criado em 1974, significou não só preservar a memória da civilização
cacaueira com o seu modo singular de vida, mas também possibilitou a construção
de novos conceitos de manutenção histórico-patrimonial, em sintonia valiosa com
o conhecimento autêntico do passado regional. No Museu Casa Verde percebe-se e
compreende-se que ali está manifesta uma linguagem que vem do começo da
civilização do cacau, formada pelos falares
e fazeres no dia-a-dia, doméstico, urbano e religioso, dentro e
fora da residência dos pioneiros que
conquistaram a terra coberta de mata virgem.
Naquela oportunidade, a
reativação do Museu Casa Verde foi, ainda, um modo eficaz de desconstituir a postura ilimitada
de que modernidade e progresso, nos tempos velozes da internet, andam de mãos dadas como meios
incontornáveis para a exclusão do que seja antigo. Deu-se oportunidade através de uma universidade
criativa, e que se tornou uma sólida instituição cultural do Sul da Bahia, para
conhecer e apreciar, pesquisar e estudar, duas mil peças de aspectos com os
seus significados, significantes e elementos da natureza histórico-social, os
quais servem sobretudo para a compreensão mais abrangente da Região Cacaueira
Baiana e da História do Brasil.
No entanto, depois de alguns anos de proveitosa atuação, a
parceria foi dissolvida. E, passados
tantos anos, o Museu Casa Verde continua desativado, causando prejuízos
de natureza histórico-cultural à
comunidade e ao Sul da Bahia, o que é
lastimável.
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A Casa Verde
Cyro de Mattos
O sol partindo-se nas gargalhadas.
O tempo tendo os pulsos firmes, eis
O coronel Henrique Alves dos Reis.
Na selva indômita o fino bordado
De Dona Cordolina, leves asas
Do amor que na valsa voa e suspira.
Sombras caminham no aroma de noites
Gemidas, os lençóis rangem na alcova
De Dom Miguel e Dona Elvira. A cava
Hora do rebento que nunca veio.
Ai, solidões a sugar o triste seio.
Grave paisagem grava o relógio
Na parede. Em cada coisa que toco,
Em cada voz que escuto,
em cada traço
Que adivinho. Gestos longínquos há
De um certo pássaro agora, que canta
Em mim e invisível ganha o silêncio.
Estranha vertigem do verde,
ser
Esta casa, flor que já não trescala,
Rio que não passa. No exílio ser
Turvo sonho na poeira dos marcos.
Quem sabe por que razão os cristais
Foram a manhã dessa casa? A seda
Cativou com tão suave perfume?
(Poema inspirado na casa que serviu de residência a Henrique Alves dos Reis, coronel do cacau, e sua família, em Itabuna (rua Miguel Calmon), do livro Cancioneiro do Cacau, Segundo Prêmio Internacional de Literatura
Maestrale Marengo d’Oro, Genova, Itália, e Prêmio Nacional Ribeiro Couto, da União Brasileira de
Escritores/Rio).
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