Uma crônica sobre o tempo, as linhas, as letras. E uma mão
que vira uma página para começar outra.
A vida é livro escrito. Mas às vezes têm umas páginas meio
em branco também. Outras, escritas demais, transbordam, fogem das linhas em
letras grandes demais para os espaços em branco. Quando elas se enchem muito, é
hora de virar a página. Às vezes dá só para passar a mão pela folha e virar. E
pronto, uma nova história haverá ali, em breve, já prontinha na cabeça, nos
pés, para contar. Às vezes são mais difíceis de se escrever, se inscrevem no
corpo antes de passar para a cabeça e para as linhas. Mas não são menos
importantes, intensas ou emocionantes. Às vezes, são até mais. As histórias
contadas nas páginas viradas são o mais claro sinal de que a vida seguiu apesar
dos poréns.
Nem sempre dá para virar a página numa boa, nem sempre sem
dor, nem sempre sequer é possível virar de fato a página. Às vezes a gente fica
ali, nela, muitas linhas em branco, outras com letras grandes demais,
ininteligíveis. Outras linhas são tão pequenas que a gente deixa até passar
desapercebido. Mas todas essas linhas contam estórias e mais estórias. Às vezes
exigem um pouco mais do tempo, desse tempo que não vem do relógio, mas que dá
tonicidade e ritmo à existência particular de cada um.
E às vezes, a página não vira. Demora muito, muito, muito,
para que uma simples linha seja escrita e que aquela mão possa passar para a
outra linha, e para a outra, e outra, e mais outra. Até chegar na última delas.
São dias, meses, anos. Uma vida inteira. E a página parece que não vira. Só que
ela vira sim. Um dia. Quando as letras estiverem tão embaraçadas em escritas
ininteligíveis que não haverá outra possibilidade que não virar a página.
TALITA BALDIN
Psicóloga por profissão, artista mais por vocação do que por
profissão. Nas horas vagas atua, desenha, e rabisca um verso e outro...
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