A Fazenda Cordilheira
A Fazenda
Cordilheira, de João Batista Lavinscky, era, outrora, animada. O campo de
futebol, efetivamente, sempre foi o palco de atração de tantos quantos para ali
se convergiam aos domingos e feriados.
Havia
partidas acirradíssimas entre o time local e outros adversários, que procediam
dos mais diversos lugares. Recordo-me dos atletas que jogavam no time da
Fazenda Cordilheira. Uns, ainda vivem entre nós; outros já partiram para a
eternidade. Eis os nomes de alguns: Laerte – que pertencia à família Lavinscky
e, mesmo depois de velho, era um sujeito muito brincalhão e desbocado, entre
uma pitada e outra de tabaco, que sujava o seu imenso bigode, ele espirrava e
proferia palavras obscenas -, Eliziário, Wilson, Merinho, Antenor, Teodoro e
Milton Lavinscky.
Milton nos
conta uma história deveras engraçada sobre o seu tempo de jogador de futebol
naquela fazenda. Segundo ele, o seu time disputava uma partida com uma equipe
de Itabuna – a sua posição é de centro-avante -, e era considerado artilheiro.
Neste jogo havia feito dois tentos e quando encerrou a primeira etapa, a
Cordilheira já ganhava tranquilamente pelo placar de 2 a 0. Foi aí que, durante
o intervalo, o zagueiro do time visitante, um negão com porte de
halterofilista, chamou-o em particular e, com um revólver discretamente
apontado para sua barriga, fez a
seguinte ameaça: “Companheiro, peça para sair do jogo, ou do contrário, vou
estourar os teus miolos”... Com os olhos arregalados, tremendo de medo, Milton
foi obrigado a tranquilizar o jogador e, dando-lhe um tapinha “amistoso” nas
costas, retrucou: “Calma, rapaz, eu já
estava pensando em sair mesmo. Estou contundido, e de qualquer sorte, eu não
aguentaria o segundo tempo”. Foi saindo de mansinho e, tamanho era o seu pavor,
que não teve tempo para comunicar aos colegas a razão do seu estranho
afastamento.
Ao
reiniciar a partida, Emerito que era o capitão do time, pode descobrir a tempo
que estava faltando um dos seus jogadores. Procura daqui, procura dali, até que o encontraram, deitado debaixo de um
caminhão que ali estava estacionado, queixando-se de uma dor de barriga
insuportável. O medo faz coisas incríveis...
Bem
próximo ao campo de futebol, havia a igreja N. Senhora da Conceição, onde fui
batizado e crismado. Os fiéis da Fazenda Cordilheira e adjacências buscavam ali, a paz espiritual e o contato com Deus.
Como
esquecer das novenas do mês de Maria? Naquela época, Salobrinho ainda não tinha
a sua igreja católica e, durante todo o mês de maio, aproveitando o luar,
formávamos grupos de moças e rapazes e
lá íamos rodagem acima, a fim de prestigiar as novenas da Cordilheira e, ao mesmo tempo, paquerar as moças bonitas, que
eram lideradas por Neuma, uma das filhas
de Antônio Lavinscky (Tonico), as quais rezavam e entoavam lindos cânticos em
louvor à Santa. Ali, tudo era organizado e maravilhoso: a ornamentação da
igreja ficava a cargo de João Gomes de Jesus, ou simplesmente Gomes, um rapaz
humilde que fora criado por João Batista Lavinscky e que se aprimorara na arte
de cozinhar.
As moças
que engalanavam as noites daquela fazenda eram dedicadas e de uma gentileza
ímpar. Recordo-me dos nomes de algumas, que até foram minhas colegas. Neuma, Tereza,
Ivany, Nilma, Nadir, Lúcia, Tili, Carminha, Nilzete, Lucinete, Eloína e tantas
outras, que no momento me escapam à memória, entretanto hão de perdurar para
sempre nas lembranças dos que tiveram a oportunidade de visitar a Fazenda
Cordilheira, à margem da
BR-415, a poucos quilômetros do Salobrinho.
Na verdade,
aquele lugar foi um manancial de alegria e felicidade. Hoje, só existem
recordações, porque as moças, paulatinamente, foram casando e se afastando
dali, o que deu origem à solidão e à monotonia existente.
Os fiéis
não perderam a crença, mas ficaram sem estímulo, à proporção que as missas e
novenas aconteciam esporadicamente, contribuindo para que a igreja fosse ficando
no abandono, e ocasionasse o seu completo desmoronamento. Atualmente, tem
acontecido ao contrário: o povo do Salobrinho já não mais vai à Cordilheira
confessar os seus pecados. Recebe, porém,
com muito carinho, na igreja de
São Pedro, aquela gente boa e hospitaleira, que para ali converge, numa prova inconteste
de fé cristã.
(SALOBRINHO, Encantos e Desencantos de um Povoado)
Sherney Pereira
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário