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terça-feira, 22 de agosto de 2017

JORGE AMADO E O FANTASMA DE CORISCO – Zélia Gattai

Jorge Amado e o fantasma de Corisco


          Sabedor da amizade e do carinho de Jorge por Dadá, tempos depois do enterro de Corisco um cidadão telefonou: queria, em nome de Dadá, falar com Jorge Amado um assunto da maior importância. Sendo em nome de Dadá, Jorge marcou entrevista com o cavalheiro. Ele apareceu, a vigarice estampada no rosto:

          — Seu Jorge Amado — foi dizendo —, tenho uma proposta a lhe fazer, empreitada que pode nos dar muito dinheiro.

          Jorge não mostrou curiosidade pela proposta, perguntou-lhe:

          — Como vai Dadá? Esteve com ela?

          — Não é bem isso — confessou o cara. — Andei entrevistando Dadá...

          Não foi preciso ouvir mais nada, Jorge entendeu tudo, foi levantando. O sujeito estava ansioso para explicar a que vinha.

          — Veja bem, seu Jorge — insistiu —, tenho um belo material, material precioso das entrevistas com Dadá e das pesquisas que fiz sobre o bando de Lampião, de Corisco, o amor de Dadá. Pode dar um livro e tanto.

          — Já está escrevendo o livro? — perguntou Jorge

          — Bem, a minha participação no livro será apenas de pesquisador, essa é a minha especialidade. Pensei que o senhor poderia, com a prática que tem escrevê-lo em três tempos. Nós dois o assinaríamos. Que tal?

          Vendo Jorge calado, cara de poucos amigos, ele ainda ousou:

          — A gente pode até dar uma coisinha à Dadá, o que acha? Jorge já não achava mais nada, perdera a paciência. Levantou-se, despediu-se:

          — A sua proposta não me interessa. Desculpe-me, tenho o que fazer. — Chamou Aurélio, pediu que acompanhasse o cidadão até a porta.

          Dias depois, o "pesquisador" voltou à carga, uma, duas, três vezes, tentando, por telefone, convencer o escritor a ser seu sócio no livro. Cansados dos repetidos telefonemas, resolvemos não atender mais, deixamos que a secretária eletrônica gravasse as mensagens. Uma delas, creio que a última, porque depois ele desistiu, foi tarde da noite. Uma voz de além-túmulo dizia:

          Jooorge Amaaado, hóóó Jooorge Amaaado! Quem fala aqui é a alma de Corisco... Ouviu bem? Coooriiiscooo... Faça o livro de Dadáaaa, Jorge Amado! Faça o livro de Dadáaaa... Ouviu bem? Hó! Jorge Amado... Senão eu vou aí com Lampião te puxar os pés...

(A CASA DO RIO VERMELHO)


Zélia Gattai

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