Os livros ou a vida
7 julho 2014
A vida de um leitor, como a vida dos encanadores ou dos
passeadores de cães, tem momentos bons e momentos ruins. Tem, inclusive,
momentos gloriosos, por exemplo o dia em que o leitor descobre um novo autor
favorito e, melhor ainda, descobre que o autor tem publicado nove ou onze
romances. Mas também tem momentos terríveis, fases em que o leitor larga um
livro e outro e outro depois de ler cinco, trinta ou oitenta páginas, frustrado
e insatisfeito, com a culpa de ter comprado esses exemplares que nem cabem nas
prateleiras, com a culpa de não possuir a paciência que esses livros exigiam,
com a culpa de não ser um bom leitor… O pior é que esses livros passam a
habitar cantos inusitados da casa e viram um lembrete do fracasso do leitor,
viram um objeto gritante que apela o dia inteiro para o leitor: olá, seu
idiota, seu preguiçoso, seu volúvel, esqueceu de mim?
O problema é que os livros não sabem que a vida continua lá
fora e o leitor tem que pagar as contas, ir para o médico, assistir à Copa. Mas
que intolerantes são os livros! Eles carregam toda a egolatria do autor, essa
exigência de atenção exclusiva que só os livros demandam. Nem os casais são tão
chatos! O leitor pode dar uma olhada no Irã-Argentina ou responder um e-mail
enquanto conversa com o parceiro amoroso, mas não pode fazer o mesmo enquanto
lê. Pode fazer, sim, mas sob a ameaça de que a relação leitor-livro seja
quebrada de maneira definitiva. E o leitor sabe quanto é difícil retomar a
relação com um livro, uma vez que se perdeu o ritmo de leitura, a inocência e a
naturalidade.
Motivos para largar um livro existem muitos, mas é possível
estabelecer uma classificação, começando em dois grandes grupos: motivos
internos ou externos ao livro. No primeiro caso, poderia se dizer que o leitor
“não gostou do livro”. Isso é simples e não tem a ver, necessariamente, com a
qualidade literária. Existe um tipo de livro para cada leitor e eu acho
perfeitamente razoável a existência de leitores que não gostam de Tolstói mas
adoram Gogol, odeiam Faulkner e amam Scott Fitzgerald. O segundo caso é bem
mais complicado, basicamente porque o leitor tem que explicar para o livro: “não
é você, sou eu”. Eu e minhas circunstâncias.
Quantas vezes o leitor largou um
livro sabendo que é ótimo porque não era o momento adequado? Quantas vezes isso
aconteceu porque durante a leitura a vida se intrometeu e o leitor foi incapaz
de seguir para a frente? Eu lembro de ter largado vários livros porque alguma
coisa desagradável me aconteceu e o sentimento ficou associado com a leitura
desse livro. Não sei vocês, mas eu não consigo terminar a maioria dos livros
que levo para salas de espera de médicos. Mania de hipocondríaco… Outras vezes,
simplesmente, o leitor está passando por uma época idiotamente feliz e o livro
é deprimente. E vamos combinar: como tem ótima literatura deprimente! Tem muito
mais boa literatura deprimente que boa literatura feliz. A felicidade produz
pouca literatura.
Mas o mais comum é que a vida, essa coisa chata que acontece
enquanto você lê, às vezes se erga como grande concorrente dos livros. E não
estou falando de quando o leitor não tem tempo para ler, por causa das
exigências da vida, não. Estou falando de quando a vida está tão legal que você
deixa de ligar um pouco para os livros. O leitor deixa de ler, tipicamente,
quando a aventura entra na vida dele, seja amorosa ou profissional, seja uma
viagem ou um evento que acontece a cada quatro anos.
Em resumo: seria bom a Copa acabar de uma vez, estou com
muita saudade de meu ritmo habitual de leitura.
Tradução do portunhol para o português por Andreia Moroni.
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Juan Pablo Villalobos nasceu em Guadalajara, México, e
atualmente mora no Brasil. Festa no covil, seu romance de estreia, foi publicado em
quinze países. Em setembro a Companhia das Letras publicou seu segundo
romance, Se vivêssemos em um lugar normal. Ele colabora para o blog
com uma coluna mensal.
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