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domingo, 16 de julho de 2017

OS LIVROS OU A VIDA - Por Juan Pablo Villalobos

Os livros ou a vida
7 julho 2014

A vida de um leitor, como a vida dos encanadores ou dos passeadores de cães, tem momentos bons e momentos ruins. Tem, inclusive, momentos gloriosos, por exemplo o dia em que o leitor descobre um novo autor favorito e, melhor ainda, descobre que o autor tem publicado nove ou onze romances. Mas também tem momentos terríveis, fases em que o leitor larga um livro e outro e outro depois de ler cinco, trinta ou oitenta páginas, frustrado e insatisfeito, com a culpa de ter comprado esses exemplares que nem cabem nas prateleiras, com a culpa de não possuir a paciência que esses livros exigiam, com a culpa de não ser um bom leitor… O pior é que esses livros passam a habitar cantos inusitados da casa e viram um lembrete do fracasso do leitor, viram um objeto gritante que apela o dia inteiro para o leitor: olá, seu idiota, seu preguiçoso, seu volúvel, esqueceu de mim?

O problema é que os livros não sabem que a vida continua lá fora e o leitor tem que pagar as contas, ir para o médico, assistir à Copa. Mas que intolerantes são os livros! Eles carregam toda a egolatria do autor, essa exigência de atenção exclusiva que só os livros demandam. Nem os casais são tão chatos! O leitor pode dar uma olhada no Irã-Argentina ou responder um e-mail enquanto conversa com o parceiro amoroso, mas não pode fazer o mesmo enquanto lê. Pode fazer, sim, mas sob a ameaça de que a relação leitor-livro seja quebrada de maneira definitiva. E o leitor sabe quanto é difícil retomar a relação com um livro, uma vez que se perdeu o ritmo de leitura, a inocência e a naturalidade.

Motivos para largar um livro existem muitos, mas é possível estabelecer uma classificação, começando em dois grandes grupos: motivos internos ou externos ao livro. No primeiro caso, poderia se dizer que o leitor “não gostou do livro”. Isso é simples e não tem a ver, necessariamente, com a qualidade literária. Existe um tipo de livro para cada leitor e eu acho perfeitamente razoável a existência de leitores que não gostam de Tolstói mas adoram Gogol, odeiam Faulkner e amam Scott Fitzgerald. O segundo caso é bem mais complicado, basicamente porque o leitor tem que explicar para o livro: “não é você, sou eu”. Eu e minhas circunstâncias.
Quantas vezes o leitor largou um livro sabendo que é ótimo porque não era o momento adequado? Quantas vezes isso aconteceu porque durante a leitura a vida se intrometeu e o leitor foi incapaz de seguir para a frente? Eu lembro de ter largado vários livros porque alguma coisa desagradável me aconteceu e o sentimento ficou associado com a leitura desse livro. Não sei vocês, mas eu não consigo terminar a maioria dos livros que levo para salas de espera de médicos. Mania de hipocondríaco… Outras vezes, simplesmente, o leitor está passando por uma época idiotamente feliz e o livro é deprimente. E vamos combinar: como tem ótima literatura deprimente! Tem muito mais boa literatura deprimente que boa literatura feliz. A felicidade produz pouca literatura.

Mas o mais comum é que a vida, essa coisa chata que acontece enquanto você lê, às vezes se erga como grande concorrente dos livros. E não estou falando de quando o leitor não tem tempo para ler, por causa das exigências da vida, não. Estou falando de quando a vida está tão legal que você deixa de ligar um pouco para os livros. O leitor deixa de ler, tipicamente, quando a aventura entra na vida dele, seja amorosa ou profissional, seja uma viagem ou um evento que acontece a cada quatro anos.
Em resumo: seria bom a Copa acabar de uma vez, estou com muita saudade de meu ritmo habitual de leitura.

Tradução do portunhol para o português por Andreia Moroni.

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Juan Pablo Villalobos nasceu em Guadalajara, México, e atualmente mora no Brasil. Festa no covil, seu romance de estreia, foi publicado em quinze países. Em setembro a Companhia das Letras publicou seu segundo romance, Se vivêssemos em um lugar normal. Ele colabora para o blog com uma coluna mensal.




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