Reflexões de um suposto coxinha
“Gente que dividia comigo a mesma ideologia hoje se comporta
como inimiga. Um muro foi erguido para me separar desses amigos”
Ando sensível. Acho que já contei isso aqui. Choro à toa.
Antes era com comercial de margarina, cenas de novela, trechos do filme. Agora,
é lendo jornal. Cada notícia da Lava-Jato, de início, me enche de indignação.
Em seguida, fico triste. É aí que choro. Ando tendo vontade de chorar também em
discussões com amigos. Gente que tempos atrás dividia comigo a mesma ideologia
hoje se comporta como inimiga. Ou sou eu o inimigo? De qualquer maneira, num
mundo que derrubava muros, de repente, um muro foi erguido para me separar
desses amigos. Tento explicar como vejo o trabalho de Sergio Moro e nunca consigo
terminar o raciocínio. No meio da discussão, me emociono, fico com vontade de
chorar e prefiro interromper o pensamento. “Coxinha”, me xingam nas redes
sociais. Bem, se o mundo está obrigatoriamente dividido entre coxinhas e
petralhas, não tenho como fugir: sou coxinha!
Leio na internet que “coxinha” é uma gíria paulista cujo
significado se aproxima muito do ultrapassado “mauricinho”. Mas, desde a
reeleição de Dilma, esse conceito se ampliou. Serviu para definir de forma
pejorativa os eleitores de Aécio Neves. Seriam todos arrumadinhos, malhadinhos,
riquinhos e votavam em seu modelo. Isso não tem nada a ver comigo. Mas, nesta
briga de agora, estou do lado que é contra Lula, logo sou contra os petralhas,
logo sou coxinha.
Gostaria de falar em nome da democracia. Mas não posso. A
democracia agora é direito exclusivo dos meus amigos que estão do outro lado do
muro. Só eles podem falar em nome dela. Então, como coxinha assumido, deixo uma
pergunta. Vocês acharam muito normal o ex-presidente Lula incentivar os
sindicalistas para os quais discursou esta semana a irem mostrar ao juiz Sergio
Moro o mal que a Operação Lava-Jato faz à economia brasileira? Vocês acreditam
sinceramente nisso? O que a Operação Lava-Jato faz? Caça corruptos pelo país.
Não importa se são pobres ou ricos. Não importa se são poderosos. Não era isso
o que todos queríamos, quando estávamos todos do mesmo lado, quando ainda não
havia um muro nos separando, e fomos às ruas pedir Diretas Já? Não era no que
pensávamos quando voltamos às ruas para gritar Fora Collor? E, principalmente,
não era nisso que acreditávamos quando votamos em Lula para presidente uma,
duas, três, quatro, cinco vezes!!! Não era o Lula quem ia acabar com a
corrupção? Ele deixou essa tarefa pro Sergio Moro porque quis.
Como, do lado de cá do muro, me decepcionei com o ex-líder
operário, o lado de lá deu pra dizer que sou de direita. Se for verdade, está
aí mais um motivo para eu estar com raiva de Lula. Foi ele quem me levou pra
direita. Confesso que tenho dificuldades de discutir com qualquer petralha que
não se irrita quando Lula diz se identificar com quem faz compras na Rua 25 de
Março. Vem cá, já faz tempo que os ternos de Lula são feitos pelo estilista
Ricardo Almeida. Será que Ricardo Almeida abriu uma lojinha na rua de comércio
popular de São Paulo? Por mim, Lula pode se vestir com o estilista que quiser.
Mas ele tem que admitir que o discurso da 25 de Março ficou fora do contexto. A
gente não era contra discursos demagógicos? O que mudou?
Meus amigos petralhas dizem que é muito perigoso tornar
Sergio Moro um herói. Que o Brasil não precisa de um salvador da pátria. Mas,
vem cá, não foi como salvador da pátria que Lula foi convocado para voltar ao
governo? Não é ele mesmo quem diz que é “a única pessoa” que pode incendiar
este país? Não é ele mesmo quem diz que é a “única pessoa” que pode dar um
jeito “nesses meninos” do Ministério Público? Será que o verdadeiro perigo não
está do outro lado do muro? Não é lá que estão forjando um salvador da pátria?
Há muitas décadas ouço falar que as empreiteiras brasileiras
participam de corrupção. Nunca foi provado. Agora, chegou um juiz do Paraná,
que investigava as práticas de malfeito de um doleiro local, e, no desenrolar
das investigações, botou na cadeia alguns dos homens mais poderosos do país.
Enfim, apareceu alguém que levou a sério a tarefa de desvendar a corrupção que
há muitos governos atrapalha o desenvolvimento do país. E, justo agora, quando
a gente está chegando ao Brasil que sempre desejamos, Lula e seus soldados
querem limites para a investigação. Pensando bem, rejeito a acusação de ser
coxinha, rejeito ser enquadrado na direita, rejeito o xingamento de
antidemocrata, só porque apoio o juiz Sergio Moro e a Operação Lava-Jato.
Coxinha é o Lula que se veste com Ricardo Almeida e mantém uma adega de
razoáveis proporções no sítio de Atibaia. E, para encerrar, roubo dos petralhas
sua palavra de ordem: sinto muito, mas não vai ter golpe. Sergio Moro vai
ficar.
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Artur Xexéo - Rapaz tímido, crescido no interior, Artur Xexéo se tornou
jornalista por acaso. Bom com números, primeiro quis ser engenheiro, mas trocou
o curso pela Comunicação Social porque era “fácil de entrar e rápido para
concluir”. O que ele não esperava era que iria se encantar pelo jornalismo e
superar o medo de falar em público. Uma etapa necessária para que se tornasse
um dos principais colunistas de cultura do Brasil.
Xexéo começou no Jornal do Brasil e passou pelas redações
dos maiores periódicos do Rio de Janeiro. Como colunista, seu texto crítico
versa sobre cultura, política e comportamento. Ele confessa ter se inspirado no
estilo de Stanislaw Ponte Preta (heterônimo de Sérgio Porto, quando escrevia no
jornal Última Hora), autor que, segundo ele, “tinha muito do universo da
televisão, do show business, comportamento político”. Nos últimos anos, o
jornalista inaugurou uma nova fase na carreira ao se tornar comentarista de
cultura da GloboNews. A boa aceitação do público o alçou ao posto de crítico de
cinema durante a transmissão do Oscar na Globo.
(http://memoriaglobo.globo.com)
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